Nos exames trimestrais, já se tornou habitual cedermos a iniciativa política.
Deixarmos até que a língua portuguesa seja trocada pelo inglês sem tradução -
mesmo nos documentos oficiais. É a vida. Jogamos fora cá dentro: encolhemos os
ombros, engolimos as medidas, curvamos a espinha.
Na verdade, é tudo simbólico:
lavamos as mãos do nosso próprio destino. Eles mandam, nós cumprimos.
Naturalmente, a frase caiu mal. Soou a traição, embora na realidade, contra
todas as indignações, tenha calhado muito bem. Devíamos ter festejado o
acontecimento. Aquela frase é uma boa frase. Aquela frase dá-nos algum espaço de
manobra, responsabiliza-nos e abre um debate que até agora parecia chutado para
as margens da espuma partidária.
A este gesto que a troika fez sem querer, sem pensar e talvez sem medir as
consequências podemos chamar de nation building - a expressão que as Nações
Unidas usam para dar algum poder aos países ajoelhados. Significa capacitar os
nativos que eles têm de começar a andar pelo próprio pé. Não vale a pena culpar
os outros, embora isso faça parte do processo de cura: negação, raiva
(histeria), negociação, depressão, aceitação. Já passámos pelas primeiras quatro
fases, embora com a ordem trocada e sem nunca aprofundar o terceiro passo - a
negociação.
É essa possibilidade que agora se reabre diante de nós. Não passámos a ter
avenidas floridas à nossa frente, a margem continua estreita, as metas
impossíveis, a Zona Euro uma bomba relógio. Mas caiu por terra o imperativo
moral (moralista) do Governo - verguem-se, ó culpados - que se abatia sobre os
portugueses. O memorando deixou de ser o tapume teórico e a escritura que
justificava todas as medidas e agruras.
Perdida em parte a desculpa, não resta
ao Governo senão assumir a ideologia em nome próprio, com virtudes e defeitos,
embora no contexto económico atual. O que equivale a dizer: resta a Passos
Coelho governar além da troika, não para a troika - para o País.
Caiu finalmente
a máscara. Pode até ser bom.
Pode moderar os piores instintos.
André Macedo, aqui