domingo, 26 de agosto de 2012

LUSCO.FUSCO

A luz descia sempre com vagares pela tarde abaixo e o lusco fusco eram segundos para respirar fundo.
 
Tinha uma amiga com asas que de vez em quando a levava para longe.
 
Davam passeios pequenos, e outros maiores, até lugares que ficavam em lado nenhum.
Perdiam-se por lá instantes e às vezes minutos.
 
Acreditamos sempre naquilo que nos dá mais jeito.
 
Trinta e sete vezes quarenta vezes se for preciso. As vezes todas e mais algumas. As que couberem dentro do que nos falta.
 
Há coincidências insuportáveis. Palavras tão pesadas que as sentimos em maiúsculas, garrafais, sublinhadas.
 
Lado a lado com a amiga das asas, corriam o mundo todo para lá daqui. Como se fossem todos os dias para casa uma da outra que era a mesma e não tinha telhado nenhum. Nem de vidro, nem dos outros.
 
A luz descia sempre com vagares de quem sabe sempre o que vai fazer a seguir. Com o ritmo de quem tem tempo para fazer o que tem que fazer a seguir ao que já fez.
 
Não tinha muito tempo. Sabia disso e a amiga das asas também.
 
Nunca tinha tido muito e agora estava quase a acabar.
 
Queria dar passeios maiores antes de cair a luz. Queria escrever palavras mais leves e dizer coisas menos insuportáveis sobre o que lhe custava tanto a suportar.
 
Queria ser capaz de aprender a dizer devagar o que sentia tão de repente.
 
Ou então queria ir para longe. Respirar num lusco fusco qualquer.
 
Acreditamos as vezes que forem precisas naquilo que nos dá mais jeito. Mas há silêncios insuportáveis e bocados de nós espalhados em muitos lugares.
 
Sabia disso e a amiga das asas também.
 
Trinta e oito vezes nove. Ou mais.
 
Iam voar o resto dos dias.
 
Enquanto houvesse luz.
 
Cristina Gameiro, aqui