segunda-feira, 20 de agosto de 2012

AS PERPLEXIDADES DO PODER

O poder político resume-se à possibilidade de impor a qual, quando legítima, é reconhecida como executora da ordem estabelecida.


É certo que o poder político pode ser virtuoso e generoso, se quem exercer a autoridade actuar com rigor, honestidade, rectidão, sensibilidade, pragmatismo e compreensão pela vida das pessoas, respeitando os outros e de uma forma especial os antagonistas que o contestem, mesmo sabendo que a virtude tem como contrapartida a inveja, e a generosidade o despeito.


No entanto, a política virtuosa e generosa é uma espécie cada vez mais rara, senão mesmo em vias de extinção; em seu lugar, o que vai proliferando é a política onde pulula a avidez de poder e onde, perante o fascínio desta realidade, não é difícil perceber a razão pela qual o poder político chega mesmo a ser viciante para alguns, ao ponto de contribuir para a perda da sua própria liberdade.


É por isso que, muito mais importante do que estar-se preparado para sair da política, é estar-se preparado para nela entrar, e de uma forma muito especial, para nela saber estar.


E seguramente só sabe estar na política quem nela estiver com desprendimento pessoal, mas ao mesmo tempo com a paixão e o envolvimento que o esforço pela causa pública exige, pois só assim há emoção, entrega e proximidade com os pares.


Se assim não fôr, a política fica convertida num jogo calculista, frio e interesseiro, jogado por quem, no exercício de funções públicas, desfila com à vontade o papel de quem não tem a noção da humildade, esse humus (terra) que só se mantém ao alcance dos que, estando no pódio, continuam a manter os pés assentes no chão porque nunca esquecem que só à custa do voto dos seus representados chegaram onde se encontram.


Estas situações, que configuram verdadeiras perplexidades do poder, têm o seu verdadeiro exemplo no exercício simultâneo de actividades privadas remuneradas com cargos públicos, pois é muito alto o risco de contaminação dos interesses públicos e privados em jogo, por ser demasiado ténue a linha que separa os interesses de cada uma das organizações institucionais envolvidas.


É por isso que para além das dúvidas inerentes ao rigor fiscal que a situação envolve, é uma perplexidade do poder a utilização ao serviço do respectivo município, por um presidente de câmara, dia após dia e há quase sete anos, de uma viatura registada e segurada em nome do grupo económico onde, em acumulação com o respectivo cargo público exerce funções privadas remuneradas.


Como também é outra perplexidade do poder haver um presidente de câmara que, contrariamente à generalidade dos autarcas e munícipes do seu concelho, pugne pela atribuição dos direitos de prospecção e pesquisa de depósitos de minerais de caulino na área geográfica do município, a uma empresa à qual estão associados interesses do sobredito grupo económico.


E também é uma perplexidade do poder a persistência de um presidente de câmara junto do poder central, na construção de um nó de acesso à A1 junto à zona industrial onde estão instaladas as principais empresas desse grupo económico onde continua a auferir proventos, quando o interesse do respectivo município aponta no sentido de essa magistratura de influência dever ser, isso sim, direccionada para a concretização de um eixo estruturante nascente / poente que ligue a A1 ao nó de Vagos da A17, dotando as zonas industriais concelhias aí localizadas com melhores acessibilidades.


Para trás ficam outras perplexidades do poder, claramente mais pontuais, como a atribuição de um stand com localização ostensivamente privilegiada na feira industrial organizada pela autarquia, ou a presença exclusiva no programa televisivo que acompanha a volta a Portugal em bicicleta: tudo como se o amplo tecido industrial concelhio pudesse aí ter-se como integral e verdadeiramente representado!


Num mundo cada vez mais pequeno, mas cada vez mais complexo para poder ser compreendido pelo comum dos mortais, importa referir que estas realidades nem são recentes nem geograficamente localizadas.


De facto, há uns anos atrás, já Milton Friedman havia alertado os mais distraídos para uma daquelas evidências que, fazendo parte do nosso quotidiano, nele se entranha até nos esquecermos que existe: ‘não há almoços grátis’, asseverou o já falecido prémio Nobel da economia ao pretender significar nada de se obtém sem se dar algo em troca, ainda que de forma mediata.




Se assim não for, fica evidenciada a incapacidade para enfrentar algo que é inerente à própria democracia - a rotação do poder que, por ser efémero, determina a transitoriedade do exercício de funções públicas.