O
poder político resume-se à possibilidade de impor a qual, quando legítima, é
reconhecida como executora da ordem estabelecida.
É certo que o poder político pode ser virtuoso e
generoso, se quem exercer a autoridade actuar com rigor, honestidade, rectidão,
sensibilidade, pragmatismo e compreensão pela vida das pessoas, respeitando os
outros e de uma forma especial os antagonistas que o contestem, mesmo sabendo
que a virtude tem como contrapartida a inveja, e a generosidade o despeito.
No entanto, a política virtuosa e generosa é uma
espécie cada vez mais rara, senão mesmo em vias de extinção; em seu lugar, o
que vai proliferando é a política onde pulula a avidez de poder e onde, perante o fascínio desta realidade,
não é difícil perceber a razão pela qual o poder político chega mesmo a
ser viciante para alguns, ao ponto de contribuir para a perda da sua própria
liberdade.
É por isso que, muito mais importante do que
estar-se preparado para sair da política, é estar-se preparado para nela
entrar, e de uma forma muito especial, para nela saber estar.
E seguramente só sabe estar na política quem nela
estiver com desprendimento pessoal, mas ao mesmo tempo com a paixão e o
envolvimento que o esforço pela causa pública exige, pois só assim há emoção,
entrega e proximidade com os pares.
Se assim não fôr, a política fica convertida num
jogo calculista, frio e interesseiro, jogado por quem, no exercício de funções
públicas, desfila com à
vontade o papel de quem não tem a noção da humildade, esse humus (terra) que só se mantém ao alcance dos que, estando no
pódio, continuam a manter os pés assentes no chão porque nunca esquecem que só
à custa do voto dos seus representados chegaram onde se encontram.
Estas situações, que configuram verdadeiras
perplexidades do poder, têm o seu
verdadeiro exemplo no exercício
simultâneo de actividades privadas remuneradas com cargos públicos, pois é
muito alto o risco de contaminação dos interesses públicos e privados em
jogo, por ser demasiado ténue
a linha que separa os interesses de cada uma das organizações institucionais
envolvidas.
É
por isso que para além das dúvidas inerentes ao rigor fiscal que a
situação envolve, é uma
perplexidade do poder a utilização ao serviço do respectivo município, por um
presidente de câmara, dia após dia e há quase sete anos, de uma viatura
registada e segurada em nome do grupo económico onde, em acumulação com o
respectivo cargo público exerce funções privadas remuneradas.
Como também é outra perplexidade do poder haver
um presidente de câmara que, contrariamente à generalidade dos autarcas e
munícipes do seu concelho, pugne pela atribuição dos direitos
de prospecção e pesquisa de depósitos de minerais de caulino na área geográfica
do município, a uma
empresa à qual estão associados interesses do sobredito grupo económico.
E também é uma perplexidade do poder a
persistência de um presidente de câmara junto do poder central, na construção
de um nó de acesso à A1 junto à zona industrial onde estão instaladas as
principais empresas desse grupo económico onde continua a auferir proventos, quando
o interesse do respectivo município aponta no sentido de essa magistratura de
influência dever ser, isso sim, direccionada para a concretização de um eixo
estruturante nascente / poente que ligue a A1 ao nó de Vagos da A17, dotando as
zonas industriais concelhias aí localizadas com melhores acessibilidades.
Para trás ficam outras perplexidades do poder,
claramente mais pontuais, como a atribuição de um stand com localização
ostensivamente privilegiada na feira industrial organizada pela autarquia, ou a
presença exclusiva no programa televisivo que acompanha a volta a Portugal em
bicicleta: tudo como se o amplo tecido industrial concelhio pudesse aí ter-se
como integral e verdadeiramente representado!
Num mundo cada vez mais pequeno, mas cada vez
mais complexo para poder ser compreendido pelo comum dos mortais, importa referir que estas realidades
nem são recentes nem geograficamente localizadas.
De
facto, há uns anos atrás, já Milton Friedman havia
alertado os mais distraídos para uma daquelas evidências que, fazendo parte do
nosso quotidiano, nele se entranha até nos esquecermos que existe: ‘não há
almoços grátis’, asseverou o
já falecido prémio Nobel da economia ao pretender significar nada de se
obtém sem se dar algo em troca, ainda que de forma mediata.
Evidência que, no entanto, não passou ao lado da
atenção nem da perspicácia de Francisco Sá Carneiro para quem, ‘saber
estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a
sinceridade das posições acima dos jogos pessoais – isso é a política que vale
a pena: aventura lúcida da prossecução do bem comum na linha sinceramente tida
como a mais adequada ao progresso dos Homens’.
Se assim não for, fica evidenciada a incapacidade
para enfrentar algo que é inerente à própria democracia - a rotação do poder
que, por ser efémero, determina a transitoriedade do exercício de funções
públicas.