
Há quase um ano, escrevia nas páginas deste jornal "que não é aceitável (...)
pretender que o cumprimento do acordo com a troika esgota todas as alternativas
políticas, inibe a procura de caminhos diferentes" ou prejudica "quaisquer
rasgos imaginativos que possam transformar os riscos presentes em virtuais
oportunidades".
Apesar
do fracasso, o Governo insiste na sua obsessão contabilística e continua a
ignorar as consequências económicas e sociais das suas políticas porque a
ausência de uma estratégia para a economia e o emprego é precisamente a política
que perfilha. Por outro lado, as promessas de uma profunda reforma do Estado em
que muitos acreditaram e que poderia amenizar ou até oferecer algum estímulo e
conforto a uma sociedade civil cada vez mais descrente e insatisfeita,
perderam-se na gestão corrente dos negócios públicos e interesses
particulares.
Num trabalho de investigação intitulado "Economy, Ideology, and the Elephant
in the Room", da autoria de Pedro Magalhães, publicado a 2 de agosto de 2012 na
"Social Science Research Network" (http://ssrn.com/abstract=2122416), procura-se
averiguar até que ponto a crise económica desencadeada em 2008, com a falência
do Lehman Brothers, terá afetado o sentido de voto dos eleitores europeus e, em
particular, se nas eleições legislativas entretanto realizadas na Europa seriam
detetáveis sinais consistentes de uma oscilação das preferências dos eleitores
passiveis de recondução à dicotomia ideológica "esquerda/direita".
Aanálise dos resultados eleitorais demonstra que em situações de crise social
aguda, de recessão ou estagnação económica, foram os partidos de esquerda no
poder os mais penalizados porém, onde a recuperação económica se revelou
consistente ao longo dos últimos anos, não são os partidos da direita governante
os beneficiados.
A reversibilidade da transferência de votos entre a esquerda e
a direita parece não demonstrar, assim, que estejamos perante "qualquer mudança
fundamental nas preferências ideológicas" dos europeus. Segundo Pedro Magalhães,
aquilo que efetivamente parece oferecer alguma evidência estatística no estudo
dos resultados eleitorais dos últimos quatro anos é, nos países da moeda única,
a penalização eleitoral dos partidos no poder e a persistência da "desconfiança"
dos eleitores "perante uma crise política, monetária e financeira adiada e ainda
por resolver".
Após anos sucessivos "a recolher os sucessos e benefícios da
integração" europeia, diz, os governos nacionais da Zona Euro tornaram-se agora
"o alvo mais óbvio e acessível" da insatisfação dos seus cidadãos com esta
Europa, ou seja, enfrentam um problema de "responsabilidade política" e
"prestação de contas democrática".
É evidente que a assinatura do memorando para o resgate financeiro da
república não acabou com a política doméstica nem com a luta democrática, embora
tenha granjeado aos governantes uma reputação de "aluno bem comportado" aos
olhos dos nossos "credores", sobretudo preocupados em disfarçar o insucesso cada
vez mais notório das políticas que preconizaram.
Mas ainda que a solidariedade
europeia não lhes falhe - como, aliás, também não falhou ao governo anterior,
com parco proveito - é aos eleitores nacionais que a atual maioria governante
irá prestar contas pelo que fez do mandato que lhe foi, em tempos,
confiado.
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