segunda-feira, 23 de julho de 2012

'PORCARIAS NA VENTOÍNHA'

Ainda há ecos do debate do “Estado da Nação”, que ficou marcado pelo nega de Seguro ao desafio, lançado por Passos Coelho, para que o PS aceite conversar com a Troika e sobre o Orçamento para o próximo ano, que ainda será mais rigoroso do que este.

Para além da troika de palavras, debate “vivo, mas sem conteúdo”, segundo Marcelo R. Sousa, mais ásperas da parte da oposição, e mais remetidas à defesa da parte de Passos Coelho que disse mesmo que não “não vai pôr porcaria na ventoinha para assustar os portugueses”, mas fazer tudo para minorar os efeitos da crise.


Sim, porcarias já o país tem mais do que muitas: a corrupção, os casos da Casa Pia, Freeport, Face Oculta, Isaltino Morais, os esquemas fraudulentos, que lesam o Estado em milhões, de que o último foi o que envolveu alguns médicos; a lentidão da justiça, magra e coxa para os ricos, arrastando-se nos tribunais por truques dilatórios, e rápida para os mais desprotegidos; a impunidade a que assiste de certos senhores e casos; os concursos, através de empresas de recursos humanos, o que tem os seus custos, de enfermeiros a cerca de 4 euros à hora (o preço de mulher a dias…); o clientelismo, a cretinice de uns e o comedoiro de outros, muitos anos à mesa do Orçamento, o chulismo e a filhaputice nacional…
Passos Coelho, é verdade, não mascarou a situação do desemprego, cujo aumento ultrapassou todas as previsões, por factores internos e externos, mas, quanto ao futuro, também não anunciou medidas de alcance económico para minimizar os efeitos da crise e teimosamente parece querer continuar os grandes objectivos que o Governo assumiu.

Dizemos parece, porque pensamos que está à espera que a Troika reconheça, ela, os erros de análise e de receituário e o esforço do “bom aluno”, que terá gerado no exterior a credibilidade. Não quer ser ele a pedir, pelo menos para consumo interno, mais tempo e mais dinheiro. Mas não deixará, por certo, de aceitar uma porta aberta. Ver-se-á o que vai acontecer na quinta visita da Troika, esta semana. Pode haver boas notícias.  
Duas coisas são certas: primeira, o povo está farto de dar carne e sangue a um monstro que é o nosso défice crónico e mostra-se inquieto; segunda, o governo terá de implementar medidas para corrigir a derrapagem orçamental, uma parte causada pela declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios. Não falou, por estratégia, da receita, mas garantiu que não está a preparar aumentos de impostos.

Mas pode estar a pensar em taxas. Tudo vai ter ao mesmo, arrancar os fundilhos à classe média, cada vez mais pobre e desfeita. O governo tem um medo enorme de tocar em interesses instalados, rever contratos com as empresas público privadas, mexer em comedoiros gigantes, abanar corporações, suprimir instituições, institutos, mordomias, comedorias.

Seguro, por sua vez, puxou de toda a artilharia socialista, assumindo-se já como alternativa, criticando Passos pela escolha do “caminho errado”, o da “austeridade a qualquer preço”, esquecendo-se que foi sobretudo o PS (Guterres e Sócrates) que meteu o país neste buracão financeiro e que foi o anterior governo que negociou com a Troika. Os políticos, por vezes, dão um ar de amnésia. E nem sequer pensou que ele pode não ser a alternativa a Passos.

Quanto a consensos, disse mesmo não na cara de Coelho, “na defesa do interesse nacional”. Onde é que já ouvimos isto? Será assim tão puro e inocente? Se assim for, mais dificuldades pode esperar o país que não está preparado para mudar de governo como quem muda de camisa, à boa maneira da I República. Ou à moda grega.

O que se pede e se exige é que os políticos tenham maneiras, ideias criativas, honestidade, bom senso e consensos, os ministros estudem bem os dossiês.

E que haja juizinho.
Armor Pires Mota, no 'Jornal da Bairrada' de 19 de Julho de 2012