terça-feira, 12 de junho de 2012

A SUSPENSÃO DA DEMOCRACIA


"Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue dentro de momentos".
A frase ficou célebre por entrar em milhões de lares portugueses sempre e quando os meios primitivos do tempo da televisão a preto e branco resolviam "encravar" um filme, o Festival da Canção ou uma reportagem de exterior sobre uma visita, então de Sua Excelência o Presidente do Conselho de Ministros.
A evolução tecnológica há muito deixou de tramar tão amiúde o consumismo televisivo. Mas ficaram tendências para réplicas, em escala bem mais grave.
O Estado Democrático é, de facto, alvo de variadas tentativas de suspensão - e sem garantia de não se transformarem em definitivas.
Se já de si é preocupante a tendência para os mecanismos democráticos ficarem perros face ao estado de necessidade de financiamento nacional, a ditar regras para as quais nenhuns sais de fruto eliminam uma certa azia, surgem de tempos a tempos ideias peregrinas a concorrer num mesmíssimo sentido. Como se ordem e autoridade só fossem compagináveis com um Estado musculado....
Na campanha eleitoral para as legislativas de 2009 ficou célebre a teoria de Manuela Ferreira Leite segundo a qual talvez não fosse pior suspender a Democracia por seis meses. Disse-o entre sorrisos, na sua desajeitada veia comunicacional e, obviamente, caiu então o Carmo e a Trindade. Sócrates agradeceu tamanho tiro no pé....
Há, no entanto, outros arautos de um sistema de governação no qual o voto popular não tenha expressão.
Rui Rio, por exemplo, agitou o fim de semana ao advogar a não realização de eleições nos municípios carregados de dívidas. Apontando os constrangimentos de quem for eleito - como se não saiba ao que vai... - para o autarca a melhor opção é a de uma comissão de gestão corrente até se encontrar um ponto de equilíbrio. Não o disse mas, no fundo, é preconizada a suspensão da democracia no plano autárquico....
O discurso austero de Rui Rio tem seguidores, especialmente naqueles que não estão sujeitos aos seus comportamentos - suportados por resultados eleitorais democráticos. É avisado, no entanto, cortar cerce a hipótese de medrar e ampliar apoios.
Estando o país afogado em dívidas por obra e graça de sucessivos disparates de quem ocupou cargos decisórios no aparelho de Estado, a aplicação generalizada da teoria de Rui Rio implicaria a nomeação sem recurso ao voto popular de quem governasse Portugal nos seus múltiplos patamares. Restando saber qual o iluminado para fazer as escolhas discricionárias.
Sim, é preciso lutar por um exercício de poder político credibilizado. E há alternativas à suspensão dos direitos democráticos. Uma delas passa pela efetiva responsabilidade de quem ocupa postos decisórios no aparelho de Estado, punindo-os não apenas nos sufrágios populares mas impedindo candidaturas em casos de comprovada má gestão. E a criminalização é também uma fórmula bem-vinda para a moralização da vida pública.

Retirada daqui