"Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa segue
dentro de momentos".
A frase ficou célebre por entrar em milhões de lares portugueses sempre e
quando os meios primitivos do tempo da televisão a preto e branco resolviam
"encravar" um filme, o Festival da Canção ou uma reportagem de exterior sobre
uma visita, então de Sua Excelência o Presidente do Conselho de Ministros.
O Estado Democrático é, de facto, alvo de variadas tentativas de suspensão -
e sem garantia de não se transformarem em definitivas.
Se já de si é preocupante a tendência para os mecanismos democráticos ficarem
perros face ao estado de necessidade de financiamento nacional, a ditar regras
para as quais nenhuns sais de fruto eliminam uma certa azia, surgem de tempos a
tempos ideias peregrinas a concorrer num mesmíssimo sentido. Como se ordem e
autoridade só fossem compagináveis com um Estado musculado....
Na campanha eleitoral para as legislativas de 2009 ficou célebre a teoria de
Manuela Ferreira Leite segundo a qual talvez não fosse pior suspender a
Democracia por seis meses. Disse-o entre sorrisos, na sua desajeitada veia
comunicacional e, obviamente, caiu então o Carmo e a Trindade. Sócrates
agradeceu tamanho tiro no pé....
Há, no entanto, outros arautos de um sistema de governação no qual o voto
popular não tenha expressão.
Rui Rio, por exemplo, agitou o fim de semana ao advogar a não realização de
eleições nos municípios carregados de dívidas. Apontando os constrangimentos de
quem for eleito - como se não saiba ao que vai... - para o autarca a melhor
opção é a de uma comissão de gestão corrente até se encontrar um ponto de
equilíbrio. Não o disse mas, no fundo, é preconizada a suspensão da democracia
no plano autárquico....
O discurso austero de Rui Rio tem seguidores, especialmente naqueles que não
estão sujeitos aos seus comportamentos - suportados por resultados eleitorais
democráticos. É avisado, no entanto, cortar cerce a hipótese de medrar e ampliar
apoios.
Estando o país afogado em dívidas por obra e graça de sucessivos disparates
de quem ocupou cargos decisórios no aparelho de Estado, a aplicação generalizada
da teoria de Rui Rio implicaria a nomeação sem recurso ao voto popular de quem
governasse Portugal nos seus múltiplos patamares. Restando saber qual o
iluminado para fazer as escolhas discricionárias.
Sim, é preciso lutar por um exercício de poder político credibilizado. E há
alternativas à suspensão dos direitos democráticos. Uma delas passa pela efetiva
responsabilidade de quem ocupa postos decisórios no aparelho de Estado,
punindo-os não apenas nos sufrágios populares mas impedindo candidaturas em
casos de comprovada má gestão. E a criminalização é também uma fórmula bem-vinda
para a moralização da vida pública.
Retirada daqui