sábado, 28 de abril de 2012

PRECISO DE POR O TELEMÓVEL A CARREGAR...

Engraçado que quando estamos naquele estado em que só nos apetece esconder de todo o mundo e chorar, encontramos, em pensamento, imensas e fantásticas frases e palavras para relatar o que sentimos.

Pior mesmo é quando decidimos depositar isso num papel: as ideias vão-se, as palavras escondem-se, as construções frásicas desaparecem e ficamos apenas com um vago na nossa mente.

Tentamo-nos concentrar para poder desabafar com uma folha, e por estúpido que pareça, tentamos sempre procurar as melhores palavras e as melhores combinações entre frases para até conseguir fazer outra pessoa sentir-se nela, ao ler o que escrevemos. É ridiculo querermo-nos sobrepor dessa forma.

Ligamos então a música que nos toca, e quando entretanto nos surgem as ideias, reparamos que são demais para conseguir escrever, e tememos voltar a esquecer-nos delas, então actuamos como uma máquina a ser criada brevemente, se é que já não existe, e começamos a escrever sem fim. Relemos tudo e pensamos "e agora?".

Perdi a vontade de escrever mais, sinto que fiquei sem ideias. Baixo a cabeça sobre a mesa ou sobre os meus braços e acabo por continuar a ouvir a música que me toca, apenas com vontade de pensar na mensagem que essa música me quer passar. A verdade é que a música, em qualquer das situações, nos transmite a todos algo. Depende do clima, depende do que temos vestido, depende de como nos sentimos, depende do que nos falta fazer, depende de tudo, mas a música faz-me refletir sobre muitas coisas.

Ás vezes, chego a pensar sobre a mesma musica diversas coisas. Se estou com uma certa ou determinada pessoa, se tenho calor 4 centímetros acima do cotovelo, se sinto vontade de roer um pouco da unha do dedo mindinho, como for, penso e sinto coisas diferentes ao ouvir música. É aquela música sempre. E ela toca-me por algum motivo. 

Ponho-me então a ouvir a música vezes sem conta, e acabo por defenir no telemóvel a repetição daquela música automáticamente, para não ter de voltar a retroceder sempre a música quando chega ao fim.

Ainda de cabeça baixada, fecho os olhos e imagino-me... no paraíso, no meu paraíso, no meu local - pois o paraíso de cada um difere de pessoa para pessoa, ninguém imagina o mesmo quando se fala em paraíso. Esse meu local é abstrato, um local onde não vejo nada, onde apenas tenho o olfacto o tacto e o paladar a funcionar. Sinto-me leve, a flutuar, a sair de mim mesma e a precorrer o mundo, as pessoas, os recantos, as águas, os ventos, as núvens, o chão, o pensamento, a mais pequena substancia iónica ou molecular. Entro na cabeça dos que me rodeiam.

Tento perceber o que é importante para eles, o que lhes falta, o que pensam, o que sentem, o que não lhes havia ocorrido ainda na cabeça. Tento procurar nos outros algo que me faça sentir bem. Procuro o que os outros precisam, procuro o que os magoa, procuro o que eles mais querem. Não por uma questão de vingança ou superioridade, nada disso, sim por uma questão de tentar preencher os espaços que estão vazios dentro das outras pessoas. Por uma questão de amor, de solidariedade. Pela questão de ver os outros felizes. Não por uma questão de que me adorem, não por uma questão de me fazerem especial. Por uma mera questão de ser assim que eu sou.

Depois de descobrir nos outros aquilo que desconhecia, após entender as atitudes dos outros, após entender as razões (uma vez que as atitudes não podem ser criticadas, por que a causa delas é o que sente o coração, dependendo das pessoas), após encontrar algo que sabia que me faltava encontrar no outro, tento-me fazer sentir bem. Não ponho os outros abaixo de mim, nem me ponho a cima dos outros. Tento fazer das felicidades dos outros as minhas, tento sim partilhar as coisas boas e más. Tento uniformizar os bens que temos e tento dar aos outros os que lhe falta.

Gosto de ouvir essa música nos auriculares, com o volume bem alto. Gosto de sentir as vibrações de cada tempo a entrar no cérebro, a escorrer pelos olhos, a revelar-se na boca, a exprimir-se na força e a penetrar-me no coração. Gosto de ouvir as respirações, acalmam-me, acalmam as minhas respirações também. Gosto de ouvir a passagem dos registos, lembra-me quando nos exaltamos e quando pedimos aos outros para não se exaltarem. Gosto de ouvir as dinâmicas, recorda-me os pontos altos e baixos da minha vida. Gosto de ouvir a doçura das tonalidades, lembra-me o carinho que recebo dos outros. E gosto de ouvir também as divisões de tempo, as dissonâncias, as pausas... lembra-me o momento que estou a viver.

Reparo, entretanto, que a vibração começa realmente a escorrer-me nos olhos. E sinto que toda essa dor que sentia vai-se difundindo com as partículas de ar que estão à minha volta, em mim. Essa dor de estar farta vai-se afastando, mas só por um tempo. Essa dor que alimentava o meu sofrimento, essa dor que me fazia revelar, essa dor que se acumulava nos meus pensamentos, essa dor que se exprimia na força, na minha raiva... essa dor que penetrava o coração é finalmente expulsa.

Ranjo os dentes. Aperto as mãos. Encolho o meu peito. Cruzo os braços. Permaneço de cabeça baixa. Estalo os dedos dos pés. Faço-me explodir. Levanto a cabeça. Coloco as mãos na testa. Tapo os olhos. Seguro a cabeça com as mãos no queixo. Abro os olhos. Pestanejo. E penso no que é melhor eu pensar. Penso no que não devo pensar. Penso no que os outros não pensam e no que eles deveriam pensar. Penso se deveria estar a pensar nisso e penso em não pensar em nada.

Deixo a cabeça cair para trás e olho para cima. Não espero nada, apenas esquecer o que estou a sentir. Apenas com que a dor passe de vez. Apenas que os meus problemas se solucionem. Que os problemas dos outros fiquem bem e que nada mais me volte a incomodar...

E quando finalmente dou por mim, tenho este grande texto escrito. Revejo tudo o que li, e reparo que para alguns fará sentido o que escrevi, para outros não significa nada. Reparo que muitos não lerão este texto e que outros adorariam poder expremir-se assim. Reparo que não foi assim que a minha dor passou, mas que assim a aliviei um pouco. Reparo que talvez tenha escrito demais, mas estou apenas a exercitar o meu cérebro.

Reparo que a música ainda continua a tocar, e que pensei nisto tudo ao ouvi-la. Mas sempre foi a mesma música. Fui sempre a mesma pessoa. E o que dizem ainda é o mesmo.

Não mudei. As vozes não mudaram. Nada mudou. A maneira que eu interpretei é que mudou. E decerto que mudei também aquilo que alguns que leram isto pensam...

Páro para respirar bem fundo. Deixei a música acabar (pela milésima vez).

Parei a música, pois preciso de por o telemóvel a carregar.

Melanie Oliveira, aqui