Tinha um amigo, comunista de todos os costados, que justificava assim os maus resultados da experiência socialista na RDA: "o sistema era bom, o povo é que não prestava". É comum os fundamentalistas, mais guiados pela fé do que pela experiência e pelos factos, encontrarem estas desculpas para os seus falhanços.
Acreditam que as suas convicções ideológicas estão no território da ciência. E, se no terreno alguma coisa falha, terá de ser por qualquer outro factor não ajudou. A coisa é perfeita, o problema são as pessoas, que não merecem a coisa.
Duas vantagens deste ponto de vista: nunca podemos comprovar da justeza das suas posições e essas posições podem ignorar a existência dessa espécie maldita que são as pessoas. Na nossa cabeça, sem elas, uma teoria política ou económica é sempre perfeita. Só que política ou economia sem pessoas é um monte de coisa nenhuma.
Assim funcionam os nossos monetaristas ou neoliberais o que lhes quiserem chamar - eles não se nomeiam a si próprios porque, lá está, julgam-se apenas mensageiros de verdades científicas. São, por isso, na sua própria cabeça, tecnocratas.
Como se sabe, a receita da troika revelou-se um desastre na Grécia. Como sabemos que o mesmo não se repetirá por cá? É que, segundo a lógica, a mesma medida aplicada duas vezes terá o mesmo resultado. A não ser, claro, que a realidade a que se aplica seja diferente. E é nisso mesmo que Jürgen Kröger, representante da Comissão Europeia na troika ,acredita. É sensato. Qual é então a diferença? "Portugal não é a Grécia: há estabilidade e as pessoas são boas".
A primeira premissa seria aceitável. Tem apenas um problema: a Grécia poderá ter problemas de estabilidade política (por acaso tivemos mais eleições que eles nos últimos três anos, mas adiante) porque está em crise económica profunda. Ou seja, o factor diferenciador foi criado pela própria receita. É o mesmo que eu dizer que um remédio que não funcionou num paciente vai funcionar num outro porque, ao contrário do anterior, que está em coma, graças ao remédio que eu lhe ministrei, este está em melhor estado.
Mas o segundo argumento é que resume bem a crença desta gente. O nosso povo é bom. Donde, se se está a dizer que Portugal não é a Grécia, significará que os gregos serão maus. Ou, pelo menos, piores do que nós. Temos portanto uma nova variável a ter em conta na teoria económica: a "bondade dos povos". Aconselho mesmo que as agências de rating passem a dar, como fazem com as dívidas soberanas, notas ao carácter das Nações. Os gregos são lixo. Os portugueses são A-. E os alemães, como o senhor Kröger, serão AAA.
Diria que o senhor Kröger é racista. Mas não é preciso tanto. É apenas mais um burocrata idiota que, subitamente, decide do futuro de dez milhões de almas. O problema é que de idiotas como este que o nosso futuro depende. Assustador, não é? Pode dar-se o caso deste senhor estar a falar do mito dos nossos "brandos costumes. Se for o caso, aconselho que veja o documentario de Rui Simões, "Bom povo português", sobre o prós-25 de Abril. Temos dias, senhor Kröger, temos dias.
Daniel Oliveira, aqui