Anda tudo muito excitado com a troika, com os salários no sector privado, com o aumento do horário de trabalho e por aí adiante.
Gente séria, importante, de fato e gravata, com a cabeça cheia de ideias, debita para os microfones teorias muito interessantes, analisa as bondades e as maldades das propostas avulsas que vão aparecendo e sai de cena muito contente por ser muito inteligente.
Esta realidade virtual enche jornais e telejornais.
Mas é só isso. Virtual. A verdade, verdadinha, é que muitas empresas já cortaram e vão continuar a cortar os salários com o acordo dos seus trabalhadores. Por uma razão simples de explicar: a alternativa é o desemprego com subsídios baixos e por pouco tempo. Hoje em dia, uma pessoa com trabalho, mesmo com menos salário, tem todas as razões do mundo para se sentir uma felizarda.
Basta ver os números. Setecentos mil desempregados, segundo as estatísticas oficiais, talvez mais de um milhão na realidade. E muitos mais a tempo parcial, a recibos verdes, os chamados precários que, inflexíveis ou não, vão manter essa situação mais alguns anos, talvez durante a segunda década deste miserável século xxi. E ainda há os que emigram, os que partem à procura de trabalho e oportunidade, seja em África, seja na América ou na velha Europa em crise. É por isso que os portugueses com trabalho em Portugal devem sentir-se uns privilegiados. É por isso também que os horários de trabalho já há muito ultrapassaram o que está inscrito na lei.
Nãoé só a Autoeuropa que tem bolsas de horas. Micro, pequenas e médias empresas já acordaram com os seus trabalhadores o número de horas de trabalho semanais em função das suas necessidades. No mundo empresarial, tanto em matéria de salários como de horas de trabalho, já há muito que a realidade nada tem a ver com o que está escrito nas leis e nos obsoletos contratos colectivos de trabalho. A conversa que anda aí no governo, nos sindicatos, nas confederações patronais e na inútil Concertação Social é uma mera ficção para entreter o pagode. Não vale absolutamente nada. A crise brutal, a economia em crise, a falta de dinheiro nos bancos, a queda do consumo privado, tudo junto, obrigou empresários e trabalhadores a responderem de imediato a esta emergência nacional.
Se estivessem à espera do governo, da Concertação Social e da Assembleia da República, há muito que estavam falidos e no desemprego. Por isso mesmo é lamentável continuar a ouvir dissertações sobre a bondade do aumento de meia hora de trabalho diário. Por isso mesmo é lamentável assistir às discussões intermináveis sobre a necessidade de cortes de salários nos privados, uma forma, dizem os Cavacos Silvas desta triste terrinha, de garantir a equidade. Pois é. Em grande parte do sector privado já não há regras nem leis. Há necessidades. Essas discussões estéreis e esotéricas só são muito interessantes para a pobre função pública, explorada até ao tutano por um Estado tirano e implacável, e para os coitadinhos do sector empresarial do Estado, escravos do trabalho, com salários miseráveis, sem prebendas e mordomias. Portugal está irremediavelmente dividido entre os que lutam pela sobrevivência e os que lutam pelos direitos adquiridos.
António Ribeiro Ferreira, aqui