O espectáculo não é novo. É muito velho. Há monges que adoram fazer de palhaços.
Vamos imaginar que Portugal é um país civilizado e, como tal, tem polícias e magistrados à altura. Uma equipa de investigadores e magistrados, liderada por um juiz de instrução, chegava às primeiras horas da manhã a casa de um cidadão com um mandado de busca e detenção.
Faziam o que tinham a fazer de forma profissional, recolhiam o material considerado relevante para a investigação, levavam o arguido para o estabelecimento prisional e só depois disso a entidade responsável pelo processo emitia um comunicado a dar nota pública do sucedido, com as informações necessárias e suficientes sobre os factos e as acusações, salvaguardando, como é óbvio, os direitos de defesa do arguido e a tão falada presunção de inocência. Ponto.
Mas como Portugal está longe de ser um país civilizado com polícias e juízes à altura dos acontecimentos, a cena descrita linhas atrás só acontece quando os arguidos são desconhecidos do grande pública, não frequentam os salões desta pobre aldeia de elites de cordel e não apareçam nas páginas de revistas e jornais que vivem do lixo abundante que polui aldeias, vilas e cidades desta santa terrinha de Santa Maria, Camões e por aí adiante.
Sempre que o arguido é uma figura pública, por bons ou maus motivos, e está metido em alhadas, a sério ou a brincar, há polícias e magistrados que não resistem à tentação das câmaras, dos microfones e dos holofotes. São momentos de glória que não podem desperdiçar de forma alguma.
Sair do anonimato, ser conhecido pelo merceeiro da rua, pelo dono do café, pelos vizinhos, ser saudado pela sogra e pelos pais, fazer chorar de alegria a mulher ou o marido, o namorado ou a namorada e receber SMS emocionados dos amantes é algo que alguns polícias e magistrados não perdem por nada neste mundo. Duarte Lima foi ontem alvo de uma operação policial relacionada com um empréstimo bancário ao BPN e a compra de uns terrenos nos arredores de Lisboa. Judiciária, Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre, já um velho conhecido de muitos casos mediáticos, mobilizaram meios significativos para desencadear a operação em Lisboa, Porto e Algarve.
Pois bem. Neste país que está longe de ser civilizado e está ainda mais longe de ter uma investigação criminal e uma justiça eficaz e credível, a detenção de Duarte Lima era já comentada em voz alta muitas horas antes de a brigada chegar a casa do antigo deputado do PSD. E, obviamente, às primeiras horas da manhã lá estavam as câmaras, os microfones e os holofotes da comunicação social, que foi previamente informada da operação. Brilhante, sem dúvida.
O caso não é virgem. Acontece sempre assim. A polícia e os magistrados têm uma relação muito difícil com a discrição. Gostam imenso do circo, do espectáculo. Pensam que assim passam a ser pessoas importantes, respeitadas, figuras públicas, portanto. Com direito a passadeiras vermelhas, manchetes nos jornais e aberturas de telejornais. Pobres de espírito, não percebem que no complexo jogo de xadrez do poder político e económico deste pobre país lhes está reservado, na maior parte dos casos, o papel de palhaços.
António Ribeiro Ferreira, aqui