segunda-feira, 22 de agosto de 2011

FUTURO: VENDIDO

A Terra é redonda.

Às vezes faz falta repetir esta evidência quando se fala de soluções milagrosas para salvar a economia mundial do colapso.

Ouvindo-se o que dizem os economistas em todas as latitudes parece existir uma receita para evitar a 'crise'. Uma receita óbvia. E simples: basta garantir "crescimento económico".

Voilá. E assim se aumenta a prosperidade e se diminui o desemprego.

Mas, como pôr em prática este "eureka!" global? Como aplicar uma receita em que todos os países crescem, vendem mais, exportam mais? Se a solução mágica de todos os macroeconomistas é pôr o seu país a exportar e a diminuir importações, cresce-se para onde? Para a Lua?

É verdade que durante algumas décadas a economia mundial cresceu como se não houvesse amanhã. O número de seres humanos tem crescido e isso gera necessidades - o que faz aumentar a produção. Mas ninguém nasce com dinheiro no bolso e esse milagre foi possível à custa do acesso mais universal ao crédito, num processo de alavancagem que - calcula-se - acelerou em sete vezes a escala do consumo das últimas quatro décadas. Por isso, naturalmente, o Mundo está hoje globalmente muito endividado e com os recursos naturais brutalmente exauridos.

A questão parece agora óbvia: o que tornava credível esta espiral de crescimento sem fim? Um conceito abstracto chamado 'futuro'. 'Amanhã' haverá produção, clientes, crescimento, trabalho para pagar empréstimos. Só que o futuro chegou. Cristalizou-se em 'presente contínuo' e não bate certo com o mundo planeado em fórmulas 'excel'. Acabou o sonho. As utopias extraordinárias, que garantiram décadas de prosperidade e paz nos países ocidentais depois da Segunda Guerra Mundial, estão em crise. O furacão do dinheiro é como os outros: aproxima-se com uma paz extraordinária, despeja uma chuva de notas e vento consumista que cria inundações, mas a consequência seguinte é um vento destruidor que obriga os países a venderem a alma para pagar a conta.

Foi o euro? Não. A moeda é um pequeno capítulo de uma história muito maior. As economias ocidentais (e depois mundiais) potenciaram a sua capacidade de produção através da engenharia do sistema financeiro. Tratou-se de uma aliança útil para todos - a quem vendia bens, a quem emprestava e a quem comprava. Casa? Carro? Viagens? Paga-se com o futuro. Os países gastam a perder de vista? Pagam no infinito. Até um dia. É agora.

Lembram-se dos políticos virtuosos do crescimento? Foram fruto da circunstância. Nem mérito nem culpa. O 'doping' da liquidez tornou-os erradamente em heróis, mas eles (como nós) também não sabiam que isto acabaria assim.

Dirá o leitor: e solução? Uma ideia para se começar: a economia mundial não precisa de produzir cada vez mais - é insustentável. Já foi dito mil vezes, mas não interiorizado pela economia. Portanto, temos de reinventar a noção de emprego - menos produção, menos horas de trabalho, menos remuneração, mais gente empregada com direito a um lugar na sociedade. Até porque as pessoas têm de tentar voltar a encontrar noções de auto-suficiência sem o Estado. Consumir menos e, mesmo assim, encontrar alguma felicidade interior. Pagar as dívidas aos poucos. E produzir localmente. Vamos ter de redescobrir o interior do país e a pequena agricultura para nos aguentarmos. Mais negócios saudáveis para um mundo poluído. E, em simultâneo, no caso português, esperar que os melhores tenham boas ideias para a economia global. Coisas em que sejamos realmente diferentes e criem melhor emprego. Investimentos que respeitem o país, a sua diversidade natural e o ambiente, a tradição e o que sabemos fazer bem.

Podemos transformar este momento crítico numa guerra de todos contra todos. Ou então sermos mais inteligentes que a crise. Protestar sem soluções concretas não vai resolver nada. E a verdade é que, fora deste rectângulo à beira-mar plantado, ninguém quer saber se estamos a passar fome ou se sabemos tomar conta de nós. A nossa maior esperança é a extraordinária capacidade de adaptação dos portugueses. Oxalá queiramos sair do buraco.

Daniel Deusdado, aqui