A narrativa que desculpabiliza o "Pobre" (sempre com caixa alta, sempre abstracto) está a laborar a todo o vapor na abordagem aos motins londrinos.
É só ver um telejornal. "Ai, são miúdos pobres que estão apenas a demonstrar um descontentamento social". É a chapa 5 da lógica do coitadinho. A polícia é má, o governo é mau, os lojistas são maus (são "ricos", dizem os garotos).
No meio disto tudo, convinha reparar nas palavras de Rio Ferdinand, o capitão da selecção inglesa: "sim, eu conheço a vida num bairro pobre, mas isso não legitima atos de vandalismo ou roubo"; "eu nasci num bairro pobre e trabalhei que nem um cão para vencer na vida".
O grande problema da narrativa do coitadinho é o incrível paternalismo em relação ao "Pobre" (não são indivíduos; é uma categoria sociológica). O "Pobre" nunca é um cidadão como os outros. O "Pobre", no fundo, é uma criança que tem de ser controlado pelo estado mesmo quando tem 20 ou 50 anos. O "Pobre" nunca é autónomo do ponto de vista moral.
Ele não toma decisões morais. Apenas reage às ofertas ou cortes económicos do estado. Se o estado der uma ajudinha ao "Pobre", ele ficará quietinho no seu canto. Se o estado retirar essa ajudinha, o tal "Pobre" vai virar as coisas do avesso. É esta a lógica paternalista de homens como Ken Livingstone. Quando diz que a culpa disto é do governo, porque fechou centros de dia para os jovens (seja lá o que isso for), o ex-mayor de Londres está a dizer - implicitamente - que estes jovens têm de ser entretidos pelo estado. Porque, ora essa, se não forem entretidos, os ditos jovens vão virar vândalos.
E é isto que enjoa. É esta ligação falaciosa entre o bolso e a moral que me tira do sério. Aliás, esta associação imediata entre o "Pobre" e a "violência" começa a ser repugnante. Porque é ofensiva para quem nasceu pobre. Que eu saiba, pobre não é sinónimo de vândalo ou de rufia. Que eu saiba, o peso da carteira não decide o peso das nossas escolhas morais. Não existe uma relação direta entre a conta do banco e o civismo e boa educação. Sim, sim, educação. A montante dos motins não está a pobreza, mas a falta de educação. E a falta de educação não tem nada que ver com pobreza ou riqueza.
Aqueles miúdos não recebem educação em casa (onde estão os pais? ) e, sobretudo, não recebem educação na escola do eduquês. Não me venham com a lengalenga da pobreza, porque a pobreza não leva ninguém ao vandalismo e ao roubo de playstations. Os paladinos da chapa 5 querem ser tão bonzinhos para o "Pobre" que têm na cabeça, que acabam por revelar um enorme desprezo pelos pessoas pobres, as reais e concretas.
PS: no meio disto, a malta não percebe que alguns daqueles miúdos podem não ser pobres. Já pensaram nisso? Já pensaram que miúdos-com-tudo podem andar a roubar? Não é a pobreza, é a falta de educação.
Henrique Raposo, aqui