domingo, 29 de maio de 2011

O QUE LEVOU PASSOS COELHO A CONTRADIZER A SUA POSIÇÃO PESSOAL SOBRE O ABORTO?

Foi aos microfones da Rádio Renascença que o último líder católico do PS, António Guterres, deu o seu "não" à despenalização do aborto - contaminando a posição dos socialistas na matéria, que era na esmagadora maioria favorável a uma aprovação no parlamento de uma nova lei e aceitando o referendo proposto por Marcelo Rebelo de Sousa

Em suma: o PS conseguiu adiar quase uma década a mudança na lei, o que só viria a ser conseguido depois de um segundo referendo - que foi tão pouco representativo como o primeiro, em que votaram menos de 50% dos eleitores. 

Sempre houve dúvidas sobre os motivos obscuros que levaram António Guterres a pregar uma faca nas costas do seu próprio partido: é verdade que Guterres era um católico praticante e que cumpria seguramente todos os principais mandamentos da Igreja. Mas, por outro lado, António Guterres nunca tinha colocado a sua condição pessoal de católico à frente das posições maioritárias do partido - e, muitos anos antes, tinha votado a favor da despenalização do aborto numa votação perdida na Assembleia da República. Foi o efeito Rádio Renascença que levou António Guterres a divulgar uma posição pessoal incompreensível e totalmente inaceitável para a maioria do seu partido? Um mistério que ficará para os historiadores.

Ontem foi a vez de Pedro Passos Coelho atirar uma bomba na campanha eleitoral, numa entrevista na emissora católica portuguesa. O primeiro líder não católico do PSD (nunca tinha havido nenhum em quase 40 anos de existência do partido) aproveitou o auditório da emissora católica portuguesa para uma posição tão ambígua face à lei do aborto que se transformou num tiro no pé em plena campanha eleitoral, num momento em que as sondagens começavam a mostrar o PSD a descolar.

O que levou Passos Coelho a contradizer a sua posição pessoal, que reafirma na entrevista publicada na edição de hoje do i, favorável à despenalização do aborto? A influência abrasadora dos estúdios da emissora católica? O medo de Paulo Portas estar a capturar votos no eleitorado mais conservador do PSD? A necessidade de temperar o seu liberalismo em matéria de costumes com o velho eleitorado PPD? Nada disto faz sentido. 

O maior problema de Pedro Passos Coelho é que a sua admissão de um novo referendo na questão do aborto corre o risco de lhe alienar muitos votos ao centro liberal, sem lhe trazer nenhuns no eleitorado conservador. Afinal, Passos Coelho foi obrigado a desdizer-se poucas horas depois. 

Não é fácil fazer uma campanha em que as dúvidas sobre o alegado "empate técnico" continuam a pairar nas sondagens, embora toda a lógica política indique que Passos Coelho é o vencedor antecipado das eleições. Mas nem o nervosismo de tentar captar o máximo de votos em todas as frentes pode explicar o pior dia da campanha oficial do PSD.

Ana Sá Lopes, aqui