Queixou-se o queixo de que era pouco para o tamanho do nariz.
- Ele lá à frente, o presunçoso, e eu cá atrás, quase a ser engolido pelo pescoço.
- Corta-se o nariz - riu-se a boca, uma desbocada.
Os olhos reprovaram. O nariz, a bem dizer, pertencia-lhes. Direccionava-lhes o olhar, era um prolongamento muito conveniente da testa e, no vértice das sobrancelhas espessas, ficava bem a quilha de um nariz como proa de navio. Indispensável e quanto maior melhor. Até porque, faltando o nariz, onde é que se apoiavam os óculos?
- O queixo, se acha que é pouco que puxe por ele. Puxe e repuxe, pode ser que cresça - dizia a boca, sempre a rir-se.
Ele bem tentava, mas a natureza não correspondia. Era um queixo curto, que se havia de fazer! E mais curto se sentia, dado o tamanho do nariz.
- Se fosse ao contrário era pior. Um narizinho minúsculo e uma queixada redonda e grossa que nem um joelho isso é que era horrível - dizia a boca, que não parava de falar.
A mão deu-lhe uma palmada, para que se calasse. Não se aturava. Nem podia uma pessoa pensar à vontade.
Cofiando o pequeno queixo, a pensativa mão teve uma ideia. Fez uma festa à volta do rosto, a medir a extensão do seu projecto. O rosto respondeu-lhe com o áspero ruído de uma barba por escanhoar. Como lixa.
- Entendo - disse a boca. - Vais deixar crescer a barba.
Assim aconteceu. A barba densamente cresceu como um tufo de cedro, a tapar um muro baixo. Já ninguém podia dizer que o queixo era pequeno, em comparação com o nariz. Disfarçado pela barba, era um queixo de todo o respeito.
E o queixo deixou de queixar-se.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui