terça-feira, 1 de março de 2011

A AUTORIDADE E O SISTEMA

O vídeo do homicídio em Oliveira do Bairro pode ter muitas interpretações, mas uma coisa é certa: nem os próprios agentes do sistema confiam no seu funcionamento.

O Ministro da Justiça foi chamado ao Parlamento de urgência para prestar esclarecimentos sobre a actuação do Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais, que utilizou uma arma Taser (de descargas eléctricas) para controlar um preso que insistia em viver em condições imundas na sua cela do estabelecimento prisional de Paços de Ferreira.

O caso passou-se em Setembro do ano passado, mas veio agora a público com a divulgação das imagens da intervenção - colhidas pelos próprios interventores.

O vídeo mostra o momento em que as forças especiais - de escudo à frente, com o pormenor, porventura irrelevante, de o terem ilustrado em toda a sua área com a figura do herói de banda desenhada Hulk - entram na cela imunda do dito recluso depois de este, em cuecas, ter obedecido à ordem de se virar para a parede e de colocar as mãos atrás das costas e de, nesse momento, ter sido atingido por um disparo da arma Taser.

Excesso de violência, abuso de autoridade, desrespeito pelos direitos humanos - as recriminações e declarações de choque sucederam-se.

As autoridades competentes lembram que o recluso tem vasto cadastro, cumpre pena de 11 anos de prisão por tráfico de droga, é um preso difícil , que já passou por diversos estabelecimentos prisionais e em todos eles teve um comportamento anormal e insubordinado, defecando no chão e espalhando as fezes pela cela e utilizando-as para escrever nas paredes frases como «Esta é a cela do Animal».

A divulgação deste vídeo ocorre na mesma semana em que foram notícia as cargas policiais antes e durante o jogo entre o Sporting e o Benfica no estádio de Alvalade.

Primeiro, no acesso ao estádio, a Polícia interveio para controlar os insurrectos adeptos da claque benfiquista, que rebentaram petardos e atacaram os agentes que os escoltavam no exterior do estádio.

Depois, já no decorrer do jogo, as forças especiais da PSP deram triste espectáculo de avanços e recuos numa autêntica batalha de bancada com elementos de uma claque do Sporting.

Os dois clubes foram multados em pouco menos de dois mil euros cada e o caso esgotou-se aí.

Ninguém se chocou ou preocupou por aí além.

Mas ficam, porém, as imagens da Polícia armada de escudos, capacetes, coletes à prova de bala e bastões a fugir escadas abaixo com medo das cadeiras de plástico arremessadas pelos mais do que conhecidos arruaceiros das claques organizadas e alimentadas pelos clubes. Nova carga, novo recuo... e assim durante longos 20 minutos.

Nesta mesma semana ainda, um outro vídeo, ainda mais impressionante e chocante, foi divulgado no site do CM, com reprodução de vários frames na primeira e nas páginas interiores do jornal mais vendido em Portugal: o filme do homicídio, há dias, no Parque da Mamarrosa, em Oliveira do Bairro - um engenheiro com a neta ao colo, pega na arma e dispara vários tiros sobre o pai da menor, advogado, que se separara da mãe da criança, juíza e filha do engenheiro homicida, e que acabara de dar uma estalada na tia da ex-companheira, atirando-a ao chão.

Desconhecendo-se todos os contornos deste caso (sempre complexo, como todos os do género), provado está que aquela criança vivia num ambiente de tensão extrema entre pai, mãe, familiares de um e de outro, mais amigos e vizinhos. A tal ponto que, de um lado e de outro, ambos se preocupavam em filmar os momentos em que o pai estava com a criança - sempre em lugar público, por determinação da sentença reguladora do poder paternal - e em que invariavelmente havia confrontação familiar.

Atingindo-se o cúmulo de o avô da criança ter ido para o último encontro desta com o pai com uma arma carregada e pronta a disparar.

Neste caso, também ninguém se chocou nem se preocupou em chamar à responsabilidade os serviços competentes na defesa dos tão propalados superiores interesses de uma criança em situação de evidente risco.

À primeira vista, estes três casos nada têm em comum uns com os outros, a não ser a coincidência de todos terem sido filmados e de as suas imagens terem vindo a público na mesma semana.

Mas os três implicam uma mesma conclusão: a incompetência e falta de autoridade das forças policiais (nos dois primeiros casos, seja por excesso ou por defeito) e a falência do sistema de Justiça, de tal forma que nem os seus próprios servidores (no terceiro caso, uma juíza e um advogado) nela conseguem confiar para defender os elementares direitos e interesses de uma filha menor.

Mário Ramires, aqui