segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"GOVERNO SÓCRATES MANIPULA A JUSTIÇA"


Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público apela à intervenção urgente do Presidente da República.

Correio da Manhã - O procurador-geral da República (PGR) disse em tempos que se sentia como a rainha de Inglaterra. Como se sente por fazer parte dessa corte?
João Palma - Nunca me tinha imaginado a pertencer a uma corte. Passe a brincadeira, não pertenço à corte, de facto. Sou do Sindicato, estou fora do palácio.

- Defende os interesses da corte...
-Nunca entendi o Ministério Público assim...

- Mas há quem entenda...
- Há quem entenda, o PGR começou praticamente o mandato com essa alegoria, digamos...

- A queixar-se de falta de poderes. Mas será que tem falta de poderes?
- Sim, a queixar-se de falta de poderes, ainda agora o reafirmou. A nossa perspectiva não é essa, é de que o dr. Pinto Monteiro é o procurador-geral da República com mais poderes desde o 25 de Abril. Poderes esses que foram muito reforçados na legislatura anterior pelo Governo do engº Sócrates. Portanto, se há PGR que não se pode queixar-se, é precisamente o dr. Pinto Monteiro. O modo como entendo isso é que há uma tentativa de desculpabilização nessa alegada falta de poderes em relação a alguns insucessos por parte do Ministério Público, por algumas confusões que seriam indesejáveis mas que aconteceram...

- A que confusões é que se refere? E um procurador-geral da República precisa de se desculpabilizar?
- Há aqui uma desistência bastante séria para alguém que tem ainda um ano e meio de mandato para cumprir no pleno exercício das suas funções. O procurador-geral é uma das pessoas com mais poder na Justiça em Portugal. Não é muito incentivador para quem pertence aos quadros do Ministério Público ouvir o seu líder abdicar assim do exercício das suas funções. Na prática, é o que o PGR está a dizer, é assim que eu leio as suas palavras, quando reclama dos sindicatos, dos políticos, dos banqueiros, dos homens do futebol. Está a desistir demasiado cedo. Mais do que questionar os poderes, é preciso exercer os poderes que tem.

- O PGR não tem exercido os poderes que tem?
- É complicado dizer que não tem exercido, quando o próprio alimenta a ideia de que não tem poderes alguns, sendo que é o PGR com mais poder no pós-25 de Abril. Mas penso que não os tem exercido.

- Como é que gostaria que os exercesse?
- Gostaria que o Ministério Público fosse mais interveniente, com mais capacidade de investigação. Investigando aquilo que tem de ser investigado até às últimas consequências.

- Não se tem investigado até às últimas consequências?
- Não tem sido, por razões que têm a ver com a falta de organização interna do Ministério Público, por falta de energia investigatória.

- O que quer dizer energia investigatória?
- Quer dizer que o Ministério Público não investiga como era suposto investigar...

- Mas não investiga determinado tipo de assuntos?
- Determinado tipo de assuntos, por razões externas, que têm a ver com constrangimentos legais, com a alteração do Código do Processo Penal, limitações aos elementos de prova. Mas tem também a ver com a falta de organização do MP, falta de departamentos, falta de liderança...

- O PGR tem poderes para alterar essa situação?
- O PGR e outras entidades, também na Justiça, que ocupam cargos de topo o que têm de fazer é, mais do que ser complacentes com alguma passividade por parte do legislador, ou do poder legislativo e executivo, assumir a Justiça como uma causa e dar-lhe os meios necessários.

- Pinto Monteiro diz que não tem meios nem poderes para acabar com as escutas ilegais...
- Eu gostaria de esclarecer o seguinte: quando se fala de escutas em Portugal, reina uma grande confusão, porque as escutas que normalmente são atacadas são as feitas pelos tribunais...

- Essas são as legais...
- Os portugueses podem confiar no sistema legal em Portugal, porque as escutas que são feitas pelo sistema legal passam pelo crivo quer das polícias quer dos magistrados, sobretudo dos juízes de instrução criminal, são aquelas em que podemos confiar. A mim, o que me assusta não são essas, são as outras que eventualmente se fazem, ou que dizem que se fazem mas ninguém consegue descobrir.

"SISTEMA INFORMÁTICO VULNERÁVEL"
CM - Não concorda com o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, quando ele propõe mais segredo de justiça e diz que o segredo de justiça é uma fraude?
J.P. - Não compreendi essa afirmação do dr. Pinto Monteiro. É mais uma afirmação muito grave, e não tem a ver com a percepção que tenho. A percepção que tenho é de que no Ministério Público o segredo de justiça é respeitado na maior parte dos casos. No fundamental, é respeitado. Demarco-me completamente em relação a essa afirmação do sr. procurador-geral.

- Mas há violações cirúrgicas do segredo de justiça?
- As que me preocupam mais não são as dos jornalistas, são as que existem e os jornais nem sabem. A parte mais grave do problema é quando o segredo de justiça é violado com benefícios para algumas pessoas e a comunicação nem topa. Estar a atribuir à comunicação social e aos jornalistas a violação do segredo de justiça parece-me grave. Sobretudo num sistema informático como é o do Ministério da Justiça, que é altamente vulnerável. Eu aconselhava a tentarem descobrir os resultados de uma auditoria que foi feita ao sistema há uns meses e que penso que o Ministério da Justiça deverá facultar, pelo seu interesse público.

- O sistema informático do Ministério da Justiça é vulnerável?
- É bastante vulnerável. Desafio os responsáveis político0s do Ministério da Justiça a virem provar o contrário.

- Essa auditoria foi feita porque resolveram fazê-la ou porque detectaram que alguém tinha entrado no sistema?
- Não sei a razão, mas confirmaram as nossas preocupações. É óbvio que é preciso blindar o sistema informático do Ministério da Justiça, e sei que se está a trabalhar nesse sentido. Há um grupo de trabalho neste momento a funcionar na Procuradoria-Geral da República.

PERFIL
João Palma nasceu em Mértola a 8 de Julho de 1962. Formou-se em Direito em Lisboa e ingressou no Ministério Público em 1989. Foi secretário-geral antes de subir à presidência do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, em 2009, sucedendo a Cluny.