Empresa está a cobrar dívidas coercivamente mas processo foi feito sem consulta ao mercado.
As autarquias já devem cerca de 350 milhões de euros às Águas de Portugal (AdP), o que está a deixar a empresa numa situação de tesouraria insustentável. A questão não é nova mas as proporções são cada vez maiores: as estimativas para 2010 são de 210 milhões, contra 217 milhões em 2009.
Em contrapartida, a AdP tem prazos cada vez mais apertados para pagar aos seus fornecedores: de 60 dias passou para 45. "Esta situação está-nos a obrigar a um endividamento de curto prazo que ultrapassa aquilo que é razoável", disse ao i Pedro Serra, presidente do grupo.
A AdP tem estado a accionar as câmaras para pagarem judicialmente. "Temos conseguido que os tribunais nos dêem razão", acrescenta Pedro Serra. Consequentemente, muitas das autarquias devedoras já assinaram acordos de pagamento e outras estão ser sujeitas a processos de cobrança coercivos das referidas dívidas.
A Águas de Portugal fornece distribuição em alta de água e saneamento a 87,8% da população portuguesa, um universo de 234 municípios entre os 308 existentes.
O que sucede é que estes municípios, que depois fazem chegar a água a casa das pessoas (a chamada distribuição em baixa) praticam preços que não cobrem os custos. Pior. Quanto menos populosos são os concelhos, mais o défice aumenta e também menor é o poder negocial que têm junto da própria AdP. A discrepância nos preços é de tal ordem que a Associação dos Municípios já veio pedir ao governo que regule o mercado, criando uma tarifa única para todo o país.
A água, aliás, é uma questão bastante sensível para as câmaras municipais, de tal forma que muitas das tarifas não são actualizadas há anos por questões eleitoralistas. Fernando Ruas, presidente da Associação dos Municípios, não quis falar com i até à hora de fecho desta edição.
Recorde-se que a dívida das câmaras à AdP surgiu em consequência de as autarquias terem sido pressionadas para utilizarem os serviços do grupo (tratamento de resíduos, de águas e saneamento) sem qualquer concurso público para assim garantirem o acesso aos financiamentos comunitários a fundo perdido para as suas infra- -estruturas. Todo o modelo foi delineado no tempo do governo Guterres e acabou por ser concretizado sem consulta ao mercado, tendo mesmo desencadeado uma queixa por parte das empresas privadas do sector junto de Bruxelas, que bloqueou verbas durante quase dois anos. Mais. Os montantes comunitários acabaram por ser utilizados quase todos na alta, não permitindo a modernização da distribuição em baixa.
Muitos dos contratos foram quase assinados de cruz pelas câmaras municipais, sem que estas tivessem consciência efectiva dos montantes que iam ter de pagar. Os valores resultantes das tarifas em alta foram calculados com grande folga, contrariamente às tarifas em baixa, que são substancialmente mais baixas do que noutros países da Europa.
O facto de os financiamentos comunitários a fundo perdido não terem chegado à distribuição em baixa não permitiu a modernização destas redes, o que faz com que muitas delas tenham perdas de água significativas, e por isso as câmaras acabam por pagar muito mais água que a que realmente vendem. Acresce a isto que existem inúmeras infiltrações que fazem com que a própria água das chuvas chegue às estações de tratamento, com os respectivos custos que isso acarreta.
A Câmara de Lisboa também queria ver-se livre dos esgotos, e preparava-se para entregar o departamento de saneamento à EPAL - que faz parte da AdP. No entanto, mais uma vez, não se equacionou a possibilidade de lançar um concurso público. A questão foi suspensa porque o PSD não aprovou a proposta em Assembleia Municipal.
Margarida Bon de Sousa, aqui