A história foi contada no DN, curta e com gente. Própria de jornal, porque não se perdia pelos grandes temas da humanidade mas ia direito a uma mulher.
E desta não se lhe contou a vida mas um mero episódio. À mulher disseram "não", o que ocasionou uma consequência tão extraordinária, ela morreu desse não, que fez daquelas poucas linhas uma boa história de jornal. Daquelas linhas que justificam esta profissão, que se faz rara, de contar histórias todos os dias.
Então, foi assim: era uma vez uma velha furunfunfelha, triunfunfelha, misericuntelha (e eu continuaria assim, se ainda soubéssemos ouvir lengalengas), uma sem-abrigo lisboeta que foi dormir ao Centro de Acolhimento (bela palavra, vem, não sei se do aramaico, sânscrito ou quimbundo, e quer dizer abrir os braços ao outro) de Xabregas, onde lhe deram cama e um armário com cadeado.
No dia seguinte, ela saiu do centro e devia entregar a chave do cadeado, tal como o regulamento diz ser obrigatório. Mas talvez a velha já fosse muito velha ou demasiado sem-abrigo ou, talvez, soubesse aramaico, sânscrito ou quimbundo e confiasse - não entregou.
Nessa noite, ao voltar, ela soube que o regulamento dizia que não podia entrar. Não entregou a chave, não entra - tão simples. Dormiu na rua e morreu disso - tão complicado. Pronto, foram essas linhas do DN, ontem.
Evidentemente, vou continuar a seguir esta história. Ou não?
Ferreira Fernandes, aqui
