domingo, 23 de janeiro de 2011

SOS MOVIMENTO EDUCAÇÃO

Aproximava-se o termo do ano de 1980 quando o primeiro ministro e o ministro da educação e ciência de então, respectivamente Francisco Sá Carneiro e Vitor Crespo, fizeram aprovar pelo conselho de ministros o Decreto Lei nº 553/80, de 21 de Novembro que, até há escassas semanas regulou o estatuto do ensino particular e cooperativo: muito sucintamente, o que aí ficou consagrado é que o Estado financiaria estas escolas, designadamente onde e quando tal fosse necessário para completar a oferta da rede pública de escolas e, assim, garantir o acesso universal à educação tendo, nas zonas carecidas de escolas públicas, sido celebrados contratos de associação entre o Estado e escolas particulares, com a finalidade de possibilitar às populações locais a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.

No âmbito dos apoios concedidos às 93 escolas particulares com quem o Estado celebrou contratos, não se incluíam apenas os benefícios fiscais e financeiros gerais e os subsídios por aluno iguais ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas e grau equivalente, mas também outro tipo de direitos, como o gozo das prerrogativas das pessoas de utilidade pública e bem assim benefícios ou apoios especiais para a promoção de experiências pedagógicas relativamente aos cursos integrados no plano de estudos oficiais ou cursos com planos próprios.

Independentemente dos subsídios e outras formas de apoio estabelecidas nos contratos, o Estado concedeu ainda às escolas particulares subsídios especiais de arranque, de inovação pedagógica, de viabilização financeira, de ampliação de instalações, de apetrechamento ou reapetrechamento, de apoio a actividades circum-escolares e outros, devidamente justificados.

Decorridas três décadas desde o início da vigência desse Estatuto, o governo agora no poder verificou que o esquema de financiamento do ensino particular e cooperativo estava desactualizado face à evolução da rede de escolas públicas dos últimos 30 anos e à melhoria das condições de ensino, tornando-se necessário racionalizar a gestão dos recursos financeiros públicos; de acordo com o entendimento do governo, estão criadas condições para proceder à renegociação dos contratos entre o ministério da educação e as escolas particulares, uma vez que se constata que o financiamento pelo Estado das escolas particulares e cooperativas, através destes contratos, não é tão necessário como era há três décadas, face ao investimento entretanto efectuado na escola pública, quer através do alargamento da rede como na modernização e na qualidade do ensino, o que determina que sejam reequacionados os termos do apoio ao ensino particular e cooperativo.

Com base nestas premissas, o governo agora no poder aprovou o Decreto Lei nº 138-C/2010 de 28 de Dezembro (que regula o apoio do Estado aos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo, permitindo a alteração das regras de financiamento e a renegociação dos contratos celebrados entre o Ministério da Educação e diversas escolas deste sector) e a Portaria nº 1324-A/2010 de 29 de Dezembro (que regulamenta as regras a que obedece o financiamento público dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, as quais determinam que o apoio financeiro a conceder, no âmbito de contratos de associação, consiste na atribuição de um subsídio anual por turma fixado em 80.080,00 €, sem prejuízo do regime excepcional previsto para vigorar entre 1 de Janeiro e 31 de Agosto de 2011, cujo valor de subsídio é fixado de acordo com a fórmula seguinte: valor do subsídio = número de turmas × 90.000,00 € × 9 meses : 14 meses).

Contra a implementação desta nova legislação reguladora do ensino particular e cooperativo às 93 escolas privadas que neste momento têm contrato de associação com o Estado, várias vozes se têem feito ouvir, quer de pais e representantes dos 53000 alunos, quer dos 8000 trabalhadores, docentes e não docentes, tendo em vista a avaliação e renegociação dos contratos.

A voz que mais se tem feito ouvir é a do «SOS Movimento Educação», um movimento organizado por pais e encarregados de educação, independente das direcções das escolas, para quem as mudanças introduzidas promovem uma “morte anunciada de escolas que prestam serviço público gratuito e onde mais de 50% dos alunos são de famílias carenciadas e com centenas largas de crianças com necessidades especiais”.

No centro da polémica está, não só a redução do valor do subsídio anual por turma de 114.000,00 € para 80.080,00 €, um corte de cerca de 30% que vai afectar projectos educativos alternativos e de qualidade já em curso, mas também o facto de esse valor ser inferior aos 90.000,00 € recebido por cada turma pelas escolas públicas, e que, por essa razão é ilegal e incontitucional uma vez que é o próprio diploma agora aprovado que preconiza que o custo por turma seja encontrado em paridade com os custos das escolas do Estado.

Parece absolutamente claro que o governo tenha de gerir os recursos financeiros públicos de forma exemplar, ou pelo menos de uma forma correcta; nessa circunstância, devem ser efectivamente corrigidos os valores dos subsídios atribuídos às escolas particulares, reduzindo-os mesmo se, objectivamente, se concluir que estão sobrevalorizados face à evolução da rede de escolas públicas dos últimos 30 anos e à melhoria das condições de ensino, tornando-se necessário racionalizar a gestão.

Mas esta racionalização não pode, nunca, ser concretizada colocando em causa a sobrevivência e as expectativas criadas durante três décadas pelas escolas de quem o Estado se socorreu para completar a oferta da rede pública escolar e, assim, garantir o acesso universal à educação; principalmente quando, durante as negociações havidas, o governo garantiu que seria encontrada uma solução justa e adequada, com base em cedências recíprocas, o que permitiria que as escolas continuassem a laborar em normalidade e num quadro de estabilidade para alunos e professores.

É conhecido o manifesto descontentamento e a altíssima preocupação, não só dos pais e representantes dos alunos, mas também dos trabalhadores, docentes e não docentes, uma vez que as novas regras de financiamento estatal ao ensino particular e cooperativo, ameaçam o encerramento de dezenas dessas escolas, algumas destas sitas em locais onde não há alternativas imediatas.

Como forma de protesto pelo corte na comparticipação estatal, o «SOS Movimento Educação» vai promover o encerramento dos estabelecimentos do sector privado e cooperativo a partir do próximo dia 26, quarta-feira, havendo escolas que encerram apenas neste dia (como é o caso do Instituto de Promoção Social de Bustos, em Oliveira do Bairro). Também na próxima semana, o mesmo movimento vai depositar 93 caixões à porta do edifício onde está instalado o ministério da educação, uma forma simbólica de chamar a atenção para eventual fecho definitivo das 93 escolas privadas por causa das novas regras de financiamento.

Conhecendo-os como os conheço, não me parece que esta seja a melhor forma de lidar com políticos autistas que para defesa das suas posições atiram invariavelmente para cima da mesa com o trunfo da legitimidade das suas posições resultante das vitórias eleitorais das suas candidaturas: basta recordar o insucesso das greves gerais, das manifestações dos professores e da oposição dos advogados ao novo mapa judiciário.

Como em qualquer jogo de paciência, em que o mais importante é interpretar correctamente a estratégia do adversário, também nesta questão relativa à nova legislação reguladora do ensino particular e cooperativo basta às 93 escolas privadas que neste momento têm contrato de associação com o Estado perceber que a melhor forma de conseguir a alteração do diploma legal agora em vigor é congregar, na assembleia da repúlica, a aliança da oposição ao governo. Sabendo-se que a apreciação parlamentar desse diploma do governo já foi requerida (pelos partidos de centro-direita), o que importa a que a oposição, de forma maciça, expurgue desse diploma as regras ilegais e inconstitucionais; e para isso, em vez de se encerrarem 93 escolas, aconselha a lucidez e o bom senso que o «SOS Movimento Educação» num apelo à união à volta desse desígnio nacional que é a educação, optasse por pedir audiências e alcançasse a solidariedade dos órgãos autárquicos onde estas escolas têm sede, das associações nacionais de municípios e de freguesias, e principalmente dos partidos da oposição, alertando-os para os problemas de grande instabilidade social face ao iminente lançamento no desemprego de milhares de professores e funcionários em que a aplicabilidade da nova legislação pode redundar.

Como dizem os chineses, “não importa se o gato é preto ou pardo; o que importa é que apanhe ratos...”