MARÍLIA NÃO CHORA
Era uma vez uma boneca que não chorava.
Estava a boneca Marília no meio de outras bonecas, todas choronas, e junto de outros brinquedos e bonecos.
Os bonecos, alguns bem patuscos, como o ensonado urso Ronrom ou o espertíssimo burrinho Trolaró, e as bonecas, entre as quais a Marília, estavam à janela a ver quem passa. Pelo menos, era o que diziam, ainda que, quem os visse de fora, dissesse que eles estavam na montra de uma casa de brinquedos, a mais bela e iluminada montra de casa de brinquedos que olhos arregalados de meninos alguma vez miraram.
E os bonecos entretinham-se imenso com os meninos que, do outro lado do vidro, os apreciavam.
- Olhem para aquela garota loirinha, que engraçada. Mal chega ao vidro e já aponta para nós - observava uma boneca vestida de grande dama.
- Está a apontar para mim - exclamava outra boneca, que era muito vaidosa.
- Para mim é que ela está a apontar - dizia a outra boneca, que não era menos vaidosa.
- Para mim... Reparem bem que é para mim.
- Não é nada! Está a olhar e a apontar para mim. Vê-se logo.
- Não está nada.
- Está.
- Não está.
Por coisas assim se zangavam as bonecas. E punham-se todas a chorar. Tinha de intervir o urso Ronrom, do alto da escada de veludo, que ocupava metade da montra:
- Caluda, meninas! Não há sossego, não há respeito, não há disciplina nesta casa? Nem se pode dormir como deve ser. Meninas tolas, meninas sirigaitas, quem vos tirou o juízo?
Elas embatucavam. Ouvia-se então, lá do fundo, uma zurradela do burro Troloró, que franzia o focinho e mostrava os dentes como se estivesse a rir-se. E logo a seguir ouvia-se uma límpida gargalhada, que se prolongava em música nos ouvidos das pessoas, se as pessoas também pudessem estar naquela montra, onde os brinquedos têm voz. Quem assim ria? Era a Marília, a tal boneca que não chorava, mas muito ria. Pois era.
Calculem que a menina loirinha, apesar do vidro da montra, ouviu o riso da Marília. Ouviu e gostou. Gostou do riso e gostou da boneca. Queria aquela.
São agora grandes amigas a Marília e a Joana. Riem-se muito e se, às vezes, a Joana, por qualquer motivo, amua e começa a fazer beicinho, a Marília ri-se para ela e a tristeza passa.
Para rirem connosco e para nos soprarem as lágrimas é que há amigos.
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui