Portugal entrou no FMI há 50 anos. Se a imprensa não se cansa de noticiar hoje as relações com o fundo monetário, há meio século, a adesão de Portugal nem sequer mereceu honras de notícia.
"O Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte: É aprovado, para adesão, o acordo relativo ao Fundo Monetário Internacional", referia o texto do Decreto-Lei 43.338, de 21 de Novembro de 1960, assinado por Américo Thomaz e, logo de seguida, pelo presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar.
Com a censura a cortar a azul os conteúdos dos jornais e a ditadura a dar o mote à cobertura noticiosa, a imprensa de 21 de Novembro de 1960 destacava as respostas de Lisboa ao que os jornais titulavam como "calúnias" na assembleia geral das Nações Unidas por causa da questão colonial portuguesa.
Nas Nações Unidas, cada vez mais países acusavam Portugal de ser um país colonialista. Lisboa contestava, afirmando que tinha províncias ultramarinas num quadro da nação pluricontinental. A imprensa de então apoiava o regime, acusava Nehru, na Índia, de "caluniar Portugal" e dava destaque às posições de Franco Nogueira, representante português na ONU, que "só, isolado, batendo-se, tendo saído vencido mas não convencido, manteve-se firme, não tergiversou, não fez marcha-atrás!"
A entrada de Portugal no FMI passou assim despercebida neste contexto, sem sequer uma notícia no dia -- nem nos seguintes - em que o Presidente da República Américo Thomaz promulgava em Diário da República a aprovação da adesão portuguesa ao FMI.
Nos jornais Diário de Notícias, República, Diário Popular e Século, o FMI nem sequer existia. Só Diário de Lisboa ("transportado para o Porto nos aviões da TAP", dizia orgulhosamente a capa) foi excepção, com um título complicado para um texto que elogiava o FMI.
"Revela um acordo entre as autoridades monetárias dos dois lados do Atlântico a recente oscilação do preço do oiro", titulava o jornal, na página 16, elogiando o papel da colaboração internacional entre as autoridades monetárias internacionais e acrescentando que quando o preço do metal tinha subido, poucos dias antes, "o rápido abastecimento do mercado obrigou a baixar de novo o seu preço".
"A reunião anual dos governadores do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional é uma ocasião importantes para estabelecer esses contactos e para preparar decisões", dizia o jornal.
O Diário de Lisboa dava também voz ao sueco Per Jacobsson, então director geral do FMI, que "energicamente" defendia a colaboração entre as autoridades monetárias, segundo o jornal. "É essencial que haja estreito contacto entre as entidades financeiras dos dois lados do Atlântico. O FMI tem sido muito útil, sob esse aspecto", dizia Jacobsson.
Ao todo, há meio século, a realidade nos jornais era exactamente a oposta da actual, quando os jornais não param de falar da possível entrada do FMI em Portugal. Em 1960, era Portugal que entrava no FMI e os jornais não tocavam no assunto. O Benfica não tinha, até Novembro, sofrido nenhuma derrota no campeonato nacional de futebol e tinha mesmo ido, segundo a machete do Diário de Lisboa, no jogo contra a CUF, "do nada ao máximo".
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