sábado, 13 de novembro de 2010

JOSÉ JUNQUEIRO: "SÓ AS AUTARQUIAS PODEM AJUDAR-SE"

José Junqueiro: "Só as autarquias podem ajudar-se"
O elevado endividamento dos municípios é a principal preocupação do secretário de Estado da Administração Local. Com o Orçamento do Estado em vias de aprovação, José Junqueiro exorta: "Não se deve prometer o que não se pode pagar".

O Estado deve 176 milhões de euros às autarquias, como o presidente da Associação Nacional de Municípios (ANMP)?
Esses números são inexactos. A primeira coisa que pedi à ANMP foi uma relação das dívidas e, num olhar rápido, detectei Vizela com 91 mil euros e Ponte da Barca com 169 mil, dívidas que estão pagas. Na Acção Social Escolar, as autarquias pediram uma compensação, porque os beneficiários aumentaram de 200 mil para 500 mil. Não é uma dívida, é uma compensação, que o Governo vai pagar. Mas o que me preocupa é termos chegado ao final do ano de 2009 com cerca de dois mil milhões de dívida das autarquias a fornecedores. E que em Julho deste ano esse número tenha atingido 2,6 mil milhões. Esse é o problema central.

Contraditório com a intenção do Governo de reduzir progressivamente os prazos de pagamento
É preciso tentar perceber por que chegámos ao final de 2009, após um crescimento médio de 4,8% ao ano, com 50 autarquias em risco de desequilíbrio estrutural e 49 de desequilíbrio conjuntural. É fundamental que todos nós - Governo, autarquias e ANMP - possamos reflectir sobre esta questão concreta. Não tentar relacionar a situação dessas 100 autarquias com o PEC de 2010 ou o Orçamento de Estado (OE) para 2011.

Há grandes desequilíbrios, mas um dos argumentos da ANMP é que, em conjunto, tiveram um superavit no primeiro semestre.
A expressão superavit é inadequada. Se se chega ao final de 2009 com um endividamento de médio e longo prazo de 4,77 mil milhões de euros, sendo o endividamento máximo permitido de 4,6 mil milhões, percebe-se o excesso de endividamento.

O parecer da ANMP sobre o OE afirma que "a diminuição das receitas municipais foi utilizada para dar cobertura ao aumento da despesa da Administração Central". Como comenta a acusação?
Não tem correspondência com a realidade. A situação das autarquias é a que referi: dois terços de estabilidade e segurança e um terço de grande dificuldade.

A ANMP diz que o esforço não está bem repartido.
Compreendo que essa seja a argumentação, mas o excesso de endividamento líquido não demonstra nada disso.

O PEC 2 já obrigou a um aperto por parte das autarquias.
É verdade que obrigou a medidas de contenção das autarquias, das famílias e do Estado, em geral.

Os números apontam para uma redução de 100 milhões de fundos municipais, com o PEC 2.
Sim, um esforço de 5%. As autarquias, no OE, têm uma redução de transferências dessa dimensão. É uma redução com significado...

Que se soma à anterior.
É um esforço semelhante ao que está a ser pedido aos cidadãos. Eu tenho redução do meu vencimento em 2010 e vou ter em 2011.

Não pode pôr em causa, em alguns casos, os serviços prestados pelas autarquias à população?
Nunca põe em causa os objectivos principais. Não conheço nenhum presidente de câmara que coloque em causa as suas políticas sociais ou as suas prioridades. Pode, eventualmente, recalendarizar este ou aquele investimento.

E projectos do QREN, que implicam contrapartida nacional?
Os projectos do QREN correm com grande celeridade. Este orçamento inclui dez medidas de que ninguém fala sobre essa matéria. A primeira é que o endividamento, em 2011, se fará através de um rácio entre a amortização global e a capacidade de recurso à banca. Através da DGAL, far-se-á uma distribuição proporcional pelas autarquias que têm capacidade de endividamento. É uma boa medida de gestão.

Não vai haver necessidade de as autarquias contraírem empréstimos especificamente para financiarem obras do QREN?
Podem e devem fazê-lo. Há linhas excepcionadas, por exemplo para equipamentos escolares. Diria mesmo, pela experiência que estamos a recolher no terreno, que o aumento de realização do QREN foi exponencial em resultado do bom entendimento entre o Governo e a ANMP.

Admite que alguns municípios tenham de recorrer a protocolos de reequilíbrio financeiro?
Não só admito, como tenho a certeza. Os 50 municípios em desequilíbrio estrutural terão de seguir esse caminho.

Uma espécie de FMI interno.
Sim. O mais grave é que parte substancial dos municípios já foi objecto de programas de saneamento financeiro. Têm uma situação muito, muito difícil. E para entrarem no sistema de reequilíbrio é fundamental que a banca esteja disponível para financiar.

A possibilidade de recurso ao Banco Europeu de Investimentos foi já colocada.
É possibilidade a que só as Finanças podem responder. Mas só as autarquias podem ajudar-se a si próprias, mudando hábitos de gestão, hierarquizando prioridades e percebendo que o discurso no poder local tem de ser diferente. Não se deve prometer o que não se pode pagar, nem querer ter o que quer que seja só porque o vizinho do lado tem.

Paulo Martins, aqui

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