Porquê? "Porque não teria apanhado o João Pinto, o Pauleta, o Sá Pinto ou o Nuno Gomes", diz o avançado que sempre sonhará com a selecção.
João Tomás, 35 anos, 15 como futebolista e uma catrefada de golos (128) para amostra. Este ano, leva cinco e não conta ficar por aqui porque ainda se sente como aqueles jovens de 25 anos a quem ainda tem uma história ou duas para ensinar. “Tive sempre juizinho e abdiquei de muita coisa para poder estar assim neste momento”, diz João Tomás, que acharia normal ter sido chamado por Paulo Bento à selecção. “Mas não ser convocado também é normal.” Uma entrevista de uma carreira em constante actualização.
Falo com o Inzaghi de Portugal?
[gargalhada sonora] Não, não, não! Ele é muito melhor do que eu! Eu disse isso porque me perguntaram sobre os dois golos do Inzaghi ao Real Madrid e eu achei piada e respondi que não queria ficar atrás dele! Até porque ele é bem mais velho do que eu [risos].
Que é como quem diz: são só dois anos.
Sim, mas nesta idade um ano já é muito tempo! Li num jornal que ele vai ficar no estaleiro até ao final da época por lesão, enfim.
O João sempre foi ponta-de-lança?
Não, não. Até comecei como médio centro, mas um médio goleador e tal. Um dia, num jogo, fiz quatro golos a jogar no meio-campo e o treinador virou-se para mim: “Tu, comigo, já não jogas mais a médio. Vais lá para a frente e acabou!” E aí começou a minha odisseia. Fui para o Anadia, depois para a Académica, onde passei uns tempos maravilhosos: era um miúdo de 21 anos e era tudo uma novidade estar numa equipa profissional. E as coisas foram acontecendo...
E nasceu o Jardel do Calhabé.
Sim, que é uma alcunha de que gostei no início, fica giro e tal, mas depois nem tanto. Gostei porque era um miúdo que ninguém conhecia e ser comparado a ele era óptimo. Mas depois, quando começas a construir a tua identidade e a referência começa a ser conhecida por maus motivos, deixa de ter tanta piada, não é?
E da II Divisão para o Benfica, numa contratação rocambolesca.
É verdade, é verdade. Há gente na Académica que ainda não me desculpa e não entendo bem porquê. Mas são questões deles, não tive de dar satisfações a ninguém a não ser ao presidente. E não podia desperdiçar a oportunidade!
E quando lhe disseram que ia para o Benfica, acreditou?
Não [gargalhada]. Até pensei que fosse uma brincadeira! E fui obrigado a acreditar. Ó pá, julguei que fosse uma coisa para rir. Mas as coisas acabaram mesmo por acontecer.
E quando chega à Luz, as coisas não andavam lá muito bem.
Um jogador quando chega ao Benfica é sempre bom, independentemente do contexto, bom ou mau. Quando se veste aquela camisola e se entra naquele estádio, é sempre uma coisa muito especial.
Mesmo para um sportinguista?
Sim, eu estava afeiçoado ao Sporting na altura mas é como lhe digo: chegar ao Benfica mexe com qualquer um.
E o Mourinho, já era especial?
Seria um idiota se lhe dissesse que sabia que o Mourinho ia ser o que é hoje – e quem diz isso é um absurdo, porque ninguém adivinha o futuro. Agora, sentimos todos que estava ali um treinador diferente de todos os outros, no relacionamento com os jogadores e no treino. Mas pronto, foi uma experiência porreira.
Era um balneário difícil? Com o Van Hooijdonk e o Roger...
Como em tudo na vida, nem toda a gente gosta de toda a gente.
Mas gostava mais do Van Hooijdonk ou do Roger?
[gargalhada] É lógico que gostava mais do Van Hooijdonk! O Roger pensava que era algo mais do que realmente era. Ali, tínhamos todos de trabalhar em equipa.
Os benfiquistas não esquecem aqueles dois golos ao Sporting [3-0].
Nem eu, ainda hoje [gargalhada].
E aquele passe do Meira para o seu golo: foi um passe ou um alívio?
[gargalhada] Eu acho que é um alívio que eu transformei em passe! Foi um grande golo pá, foi um grande golo.
E daí veio o cântico: “Que se f*** o Beto Acosta nós temos o João Tomás!” Lembra-se de ouvir isto?
Então não lembro? Foi um ponto de viragem na minha carreira: passei a ser o João Tomás. Quando és jogador do Benfica e tens um cântico só para ti, é realmente prestigiante. Mas também tinha razões para isso: eu fartava-me de fazer golos e era normal que eles fizessem alguma coisinha por mim eh, eh, eh!
Boa, boa [gargalhada]. E saiu do Benfica porquê?
Porque fui vendido, simples. Por questões financeiras e porque jogar na Liga Espanhola, num clube que na altura era um clube médio [Betis de Sevilha] era um sonho. Sou ambicioso, sempre fui. E depois, jogar em campos em que nunca pensei jogar, como o Bernabéu, o Camp Nou... A primeira época correu bem e eu fui o melhor marcador mesmo tendo estado três meses de fora com um pé partido. A segunda já não foi tão boa e fui para o Guimarães onde também não correu bem. Depois, sim, no Braga [2004/05] voltei a ser feliz.
E voltou a sair para o Qatar. Por dinheiro, obviamente.
Vou dizer o quê? Que fui para lá porque gostava da comida? Ou da língua? [gargalhada] Lá as condições são melhores, não há como esconder. Foi bom para mim e para o Braga. Estive fora, regressei depois ao Braga e depois ao Boavista quando no Braga tive uma má época. Acabei o contrato e acharam que não deviam renovar comigo.
Nunca pensou que estava a definhar?
Nunca! Quer dizer, tive uns tempos maus, no Boavista, com a descida de divisão, os ordenados em atraso. Mas fiz uma boa época apesar de a equipa ser bastante fraca: tirando três ou quatro de qualidade, o resto era banda de tudo menos de futebolistas. Acho que fiz 13/14 golos e podia ter saído a meio da época.
Vem o Rio Ave e a sua terceira vida.
[risos] As coisas começaram a correr-me bem novamente e surgiu nova oportunidade para ir para fora e eu aproveitei outra vez.
E está de regresso ao Rio Ave onde está em alta novamente.
Eu sou teimoso, pá! Sou teimoso [gargalhada]. Tenho ali um gostinho especial por andar na lista dos melhores marcadores a fazer pirraça aos outros. Para ganharem troféus têm de passar por cima de mim [gargalhada]. Mas isto é para as pessoas perceberem o seguinte: eu conheço muitos velhos com 25 anos e muito jovem com 35. Nós somos donos do nosso corpo e podemos mantê-lo bem afinadinho ou não. Depende do que lhe fizermos durante os anos: temos de respeitá-lo, descansar e abdicar de muita coisa. Senão, um gajo chega aos 30 anos e tem o corpo todo rebentadinho. Não tenho dúvidas nenhumas. Agora, se tivermos juizinho, chegamos aos 35 como um jovem e somos exemplos, como eu acho que sou. O problema do futebol, e até da sociedade, é que ninguém se sacrifica. Quem comete excessos rasga-se e anda amassado quando chega à minha idade. Estás a perceber, Pedro? Para se ter um Inzaghi, um Zanetti, um Van der Sar é preciso sacrifício. O nosso trabalho é o corpo e mais nada: chuteiras, caneleiras é tudo acessório. Se não tiver o motor afinado, parte e o carro não anda.
Resumindo: aos 35 anos estás com o motor afinado. Pensaste ser chamado pelo Paulo Bento?
Pá, nem sei o que hei-de responder a isso. Pensar, pensamos sempre. Seria normal ser convocado mas também acho normal não o ser. Sabes o que me deixa feliz? É ouvir jornalistas como tu a perguntarem-me se eu, que tenho 35, penso na selecção. Só o facto de me colocarem essa hipótese, é sinal de que estou a fazer um bom trabalho. Quem são os futebolistas de 35 anos a quem vocês perguntam se ainda sonham com a selecção? Isto, para mim, é um motivo de orgulho. Se estivesse mal, ninguém me perguntava nada!
Mas podias ter sido mais vezes chamado à selecção? Só foste lá quatro vezes.
Eh pá! Se tivesse nascido em 1985... Mas nasci em 1975, na altura em que nasceram os João Pintos, os Pauletas, os Sá Pintos, os Nuno Gomes.
Nasceste na década errada, é isso?
[gargalhada] Não, não. Nasci na década certa mas nesse aspecto teria [não contém a gargalhada] dado mais jeito nascer em 85 do que 75!
E tens mais quantos anos de futebol?
É até as minhas pernas me dizerem que não aguentam.
Aguentas até aos 40? Para quem tem 35 também não falta assim tanto.
Naaaa! [risos] Não acredito que lá chegue. Talvez mais dois anos na melhor das hipóteses.
E tens a vida orientada para quando o futebol se acabar?
Nunca temos tudo o que desejamos, não é? Mas longe de mim pensar vir a ter o que tenho hoje! Digo-te isto com toda a honestidade. O que tenho e o que vivi. A minha carreira transformou-se num sonho: de onde venho e onde cheguei. Com toda a franqueza. Tive e tenho uma grande vida.
Pedro Candeias, aqui
