O CÃO E O GATO
O cão e o gato não eram amigos, mas faziam de conta. Viviam ambos abrigados no casebre de uma pobre velha, que com eles repartia o pouco que tinha.
- Sejam amiguinhos. Sejam amiguinhos - estava sempre ela a dizer-lhes.
Pela comida e dormida os dois incorrigíveis inimigos aturavam-se. Que remédio.
Um dia, a velhota morreu. Vieram os filhos, vieram os netos e enxotaram-nos do casebre.
Cão e gato, tristes por terem perdido a sua protectora e o mínimo de conforto que ela lhes proporcionava, ficaram a rondar a casa, mas cada um para seu lado.
"Sejam amiguinhos. Sejam amiguinhos", ainda lhes soava nos ouvidos.
Choveu. Fazia frio. Tiritantes e cheios de fome, acolheram-se a uma gruta. Era uma gruta muito comprida, tão comprida que eles se internaram por ela adentro, à procura nem sabiam de quê.
Cada vez mais fundo, cada vez mais longe do mundo que conheciam, foram ter a uma clareira iluminada. No meio, sentado nas pernas cruzadas, estava o Génio das Cavernas.
- Que querem de mim? - perguntou-lhes o Génio.
A bem dizer, eles não queriam nada a não ser um dono, comida, calor, carinho. Foi o que pediram.
- Concedido - disse-lhes o Génio.
- Com uma única condição: cada um transforma-se no outro.
Eles, a princípio, nem entendiam a proposta, mas quando perceberam que o gato tinha de passar a cão e o cão, a gato, protestaram com toda a gana.
- Eu não quero ser cão - bufou o gato.
- Eu não quero ser gato - rosnou o cão.
Nada feito. Ou aceitavam a troca ou acabariam por morrer, à fome e ao frio.
Lá se resignaram à mudança, já que a alternativa também não era nada apetecível.
O Génio executou a magia e o gato passou para a pele de cão e o cão para a pele de gato. Esquisito.
Correram ambos na direcção da entrada da gruta, ainda assarapantados.
- Que cãozinho e que gatinho tão bonitos. Posso levá-los para casa? - perguntou uma menina ao pai.
- Os cães e os gatos não se dão bem uns com os outros - apressou-se a explicar o pai.
- Mas estes dão-se. Tão juntinhos. Tão amigos - disse a menina.
Era verdade. Cada um olhava para o outro como se fosse ele próprio. Ora, como é que uma pessoa ou um bicho pode dar-se mal com ele mesmo?
E assim o gato-cão e o cão-gato arranjaram uma nova dona. À noite, enroscados um no outro, não se sabe onde começa o cão e acaba o gato. Fizeram-se, realmente amigos.
Até pode acontecer que, um dia, o Génio das Cavernas lhes devolva as respectivas identidades e o cão volte a ser cão e o gato volte a ser gato. Mas valerá a pena?
António Torrado e Cristina Malaquias, aqui