segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O LABIRINTO

1- Na verdade, e apesar das certezas que gostamos de afirmar, sentimos-nos perdidos. Insultamos Sócrates ou Teixeira dos Santos por serem os executores das más notícias do momento, mas por aí nos ficamos, confusos. Porque tudo se reduz a uma conta simples: há anos que gastamos mais do que produzimos, deixaram de nos emprestar dinheiro, estamos falidos e sem alternativa. Mas depois começamos a ver e ouvir os nossos notáveis oligarcas aplaudindo as medidas de austeridade com a mesma convicção com que nos impingiram decisões erradas. E vem-nos à memória que foram eles que nos governaram nas últimas três décadas, foram eles que nos trouxeram até este pântano político e económico. Aqui chegados, percebemos a complexidade do problema em que estamos metidos. Esta gente não tem, nunca teve, um fio de Ariadne. Não é com estes que vamos encontrar a saída do labirinto.

2. O país está mergulhado numa espécie de estupor. Mas mesmo entre as piores tormentas nos arrancam sorrisos, ainda que sejam amarelos. Por exemplo, quando Teixeira dos Santos se viu obrigado a corrigir Sócrates, perante câmaras e microfones, a propósito dos cortes de salários na Função Pública, que ali, em directo, no final do Conselho de Ministros, passaram de provisórios a definitivos. Ou quando, no segundo capítulo desta revista à portuguesa decadente, já no Parlamento, o primeiro-ministro nos surpreendeu com a sua feroz oposição à compra de submarinos. E simulou um novo imposto sobre a Banca. O novo paladino da esquerda revolucionária fez com que Francisco Louçã parecesse um pequeno-burguês acomodado.

3. O funcionário público é o professor de Matemática do nosso filho, que tanto admiramos pela metodologia e pelo empenho. Será justo castigá-lo com um corte salarial de 5%? O funcionário público é o senhor que recolhe o lixo de madrugada, chova ou faça frio, garantindo a higiene das nossas ruas e a nossa saúde pública. Será avisado despedi-lo apenas porque trabalha a recibos verdes? O funcionário público é o médico que descobre o que nos aflige e nos ajuda a superar as maleitas do corpo. Será que queremos chateá-lo com um corte de 5% no salário? O funcionário público é a senhora que recebe as crianças manhã cedo no portão do jardim-de-infância, que as abraça quando choram, que as vigia no recreio. Será boa ideia mandá-la embora? O funcionário público é o polícia que deu o peito às balas quando aquele gangue violento atacou o banco. Será sensato sacar-lhe 5% do salário? O funcionário público é o paramédico que conduz a ambulância a 100 à hora por ruas e ruelas, só para vir ao nosso encontro e do nosso coração falido. Será avisado dispensá-lo só porque não tem vínculo? É uma chatice, isto de os funcionários públicos não caberem todos no fato de velhos rezingões, incompetentes, feios e mal vestidos.

Rafael Barbosa, aqui