Se há coisa que, de tão confrangedora, se tornou, já, insuportável é assistir a discursos políticos moldados à tirania dos mercados.
Mercados para aqui, mercados para ali, é preciso dar sinais claros aos mercados, cuidado que os mercados estão à espreita, temos de sossegar os mercados. Em suma: os políticos, em Portugal e, de uma forma geral, no Mundo civilizado, transformaram-se em marionetas dos especuladores, paus-mandados dos cérebros proeminentes que iluminam as agências de rating. Acordam a pensar nos índices bolsistas, adormecem atormentados pelos juros da dívida. A política perdeu, irremediavelmente, a batalha para a economia. Podemos culpar a crise, mas devemos culpar, sobretudo, a política.
A Europa moderna, liberal, habituada a chegar primeiro aos cantinhos do progresso, assistiu com espanto ao triunfo de um falante atabalhoado chamado Lula da Silva. Um sindicalista de lágrima fácil que alcandorou o Brasil ao estatuto de potência emergente. Serão múltiplas as razões para o êxito do agora cessante presidente, mas aquela que melhor poderá explicar a sua universalidade eleitoral é apenas uma: conseguiu convencer milhões de que estava a governar para eles, a pensar neles. Nada de mais simples e utópico.
Em Portugal, servir a população, cumprindo o dever de alcançar o bem público, é não atacá-la em demasia. Não nos darem más notícias são boas notícias. Mas num momento em que os portugueses mais precisam que lhes falem ao coração, assistimos com tristeza, e não com surpresa, ao aniquilamento das pessoas em detrimento dos mercados.
As decisões já não parecem ser tomadas porque vão favorecer-nos ou prejudicar-nos, mas apenas tendo em conta o impacto nos mercados. O ataque sem precedentes aos orçamentos familiares que este Governo patrocinou (um casal da classe média com dois filhos, por exemplo, vai transformar-se pura e simplesmente num escravo da máquina fiscal) é sintomático. Matam-se os sonhos de milhões, mas mantém-se bem alimentada a voracidade do mercado. No fundo, como se as pessoas só existissem para lhe dar a comida à mão, acariciá-lo no dorso e confortá-lo: "Não te preocupes, eu posso passar fome, mas a ti não te faltará nada".
Pedro Ivo Carvalho, aqui