domingo, 31 de outubro de 2010

ELES NÃO GOSTAM DE PORTUGAL

Podem abanar-me com números e mais números, podem propalar a tese de que uns são mais culpados do que outros, que todos, enfim, devem ser medalhados pelo seu abnegado patriotismo.

Que agiram como agiram porque convivem melhor com o lamaçal colectivo do que com a violação, ainda que espúria, das suas convicções político-partidárias. Governo e PSD podem dizer o que quiserem, mas a diatribe mediática em torno da não aprovação do Orçamento do Estado faz deles apenas uma coisa: pessoas ou entidades que não gostam de Portugal.

Porque, se gostassem de Portugal, não usariam uma "ninharia" como 450 milhões de euros para impedir um acordo que, mais do que protagonizado por políticos de coluna mole e umbigos maiores do que o corpo, devia ser assumido por homens de palavra, sérios, que não se esquecem de que o país que eles lançam na roleta russa é de carne e osso, sofre com os cortes, passa dificuldades, vai ter de reinventar o quotidiano.

Para eles, soará a lamechice, mas o país real é este, meus senhores: não é o dos estudos, dos cenários macro-económicos, do cumprimento do défice. É o país que tem de pagar as contas ao fim do mês. Todos os meses.

E isso coloca-nos perante um dilema: se eles não gostam do país que é o seu, por que carga d"água lhes devemos reconhecer legitimidade para tomar decisões que, tendo em conta o passado recente, não nos dão garantias de êxito? Dito de outra forma: será que os sacrifícios que agora nos pedem terão materialização num futuro próximo? Resultados?

Basta ver quão ridícula se torna a discussão em torno dos 450 milhões de euros que os separou se comparada com o descalabro na Execução Orçamental de 2010: qualquer coisa como 1800 milhões de euros de rombo, divididos entre o "buraco" nas Estradas de Portugal (500 milhões), receita não fiscal abaixo do esperado (menos 400 milhões), um desvio nas contas do Serviço Nacional de Saúde (500 milhões) e menos 260 milhões referentes às autarquias e regiões autónomas.

Por isso, não vamos continuar a olhar para Fundo Monetário Internacional (FMI) como um bicho-papão. Se o fantasma encarnasse em alguém, de uma coisa estaríamos certos: ia doer, e muito, mas ao menos sabíamos que, dentro de critérios de maior transparência, as metas eram alcançadas. Que não teria sido em vão. Com estes actores políticos, não podemos gabar-nos do mesmo.

Pedro Ivo Carvalho, aqui