domingo, 3 de outubro de 2010

A DÍVIDA E O DÉFICE

1. Depois de tudo o que se passou esta semana não há dúvida: temos défice de governantes em quem se possa confiar, a nossa classe política tem uma enorme dívida de credibilidade a pagar aos cidadãos e mais do que provavelmente tudo isso vai gerar um ambiente recessivo, de progressiva perda de confiança quanto à utilidade do voto.

O problema português não é apenas o apertar do cinto. Mais furo menos furo, o ser humano habitua-se, adapta-se.

Se quisermos ser justos, e suficientemente frios, perceberemos até que, numa comparação à escala planetária, a nossa qualidade de vida está muito acima da média.

É, aliás, por termos atingido patamares incompatíveis com a riqueza que geramos que agora nos vemos obrigados a voltar à terra. Penso que muita gente em Portugal percebe isto, compreende e até assume as suas culpas.

2. Os governos que nos trouxeram até aqui, engordando o Estado, promovendo o despesismo, empregando os beneficiários da "cunha", doando contratos leoninos aos amigalhaços, aplicando mal os impostos crescentes, contaram com a cumplicidade da sociedade portuguesa.

O Estado que temos, e o estado a que chegámos (mesmo na produtividade do sector privado), foi sendo construído com a acordo tácito de uma parte significativa dos cidadãos.

E não estamos a falar apenas do Governo central. As autarquias, as empresas públicas e semipúblicas, os governos regionais, ou seja, muitos milhares de pessoas, de diferentes partidos e ideologias, têm feito crescer o monstro que agora nos exige, com juros, o tributo à sua voracidade crescente.

3. Virar a página desta história colectiva deve ser feito em simultâneo com o virar de costas aos políticos que faltam à verdade, mentem de forma contumaz e não são capazes sequer da humildade de admitir um simples erro, tenha sido ele fruto apenas da incompetência ou da soberana necessidade de conservar o poder.

Outra das culpas da sociedade portuguesa tem sido premiar aquilo que vulgarmente é designado de "talento político".

É um erro.

E outro será confundir convicção com vontade de continuar a mandar seja qual for o custo.

Saber navegar de acordo com os interesses tácticos de conjuntura está longe de ser uma qualidade, é quanto muito uma habilidade - e esta pode ser às vezes muito nociva.

4. Os últimos dias têm mostrado que o País necessita de políticos menos "habilidosos" e "talentosos". Precisa muito mais de pessoas frontais, corajosas, gente "normal" e capaz de nos dizer aquilo que às vezes podemos não gostar de ouvir - mas que é real.

O problema está em que esse jogo assenta, como tudo, na confiança. Ora a confiança trabalha-se. Ganha-se numa vida e perde-se num instante. E neste momento não há, na sociedade portuguesa, confiança na classe política.

Tenho esperança de que o futuro resolva este problema sem o qual estamos condenados a viver uma vida medíocre, em que a sociedade, bastante melhor do que a classe que a dirige, se vai afastando progressivamente da resolução das grandes questões colectivas - e com isso também fomenta e aprofunda um problema que é resolvido ou nos vai levar ao fundo.

A CGTP fez esta semana 40 anos. A propósito dessa data convém dizer que as organizações sindicais, sobretudo se um dia totalmente livres do controlo partidário, são imprescindíveis a uma sociedade mais justa. Eu, que às vezes desespero com a falta de visão de muitos sindicalistas, não posso deixar de reconhecer: o mundo seria muito mais injusto se não houvesse estruturas como a CGTP e homens com a qualidade de Carvalho da Silva, de quem Portugal pode e deve esperar muito no futuro.

João Marcelino, aqui