Corria o ano de 2002 quando o país se sobressaltou com a notícia do abuso sexual de crianças entregues à guarda do Estado, na Casa Pia de Lisboa.
Num ápice, o caso ganhou dimensão com os nomes envolvidos na escandaleira. Passaram oito anos. Se tudo correr bem, se não houver mais atrasos e adiamentos, a sentença começará a ser proferida na sexta-feira. Depois, para os envolvidos, para os seus advogados, a saga continuará com os recursos e mais anos e anos em cima.
O conjunto de arguidos envolvido no processo começará a conhecer o seu futuro na sexta-feira. Mas a sentença já não salvará a Justiça portuguesa. A forma como decorreu a investigação, os segredos que foram soprados para o exterior e queimaram tanta gente, o tempo que demorou todo este processo mostram uma Justiça anquilosada, não estanque a influências externas, má e lenta a investigar. Já muitas vezes ao longo destes oito anos se disse e escreveu que pior do que deixar culpados sem castigo é culpar inocentes.
Contudo, o cenário mais terrível que a Justiça portuguesa deixou que se construísse à volta deste processo é que, qualquer que seja a sentença relativa a cada um dos arguidos, ela causará sempre desconfiança, porque o processo está tão inquinado que a Justiça deixou de ser credível. Deixou de ser credível ao ponto de se pensar que não é imune à influência política e económica, que não é imune aos jogos de poder, pelo contrário, muitos jogos de poder passarão pelo seu seio.
E depois deste caso outros aconteceram que puseram a nu mais podres de um edifício que, pelos vistos resistiu ao 25 de Abril, quando se deveria ter democratizado, e resistiu ao próprio tempo, tem resistido à própria modernidade, de tal forma que a Justiça é certamente, hoje em dia, o sector que mais necessita de profundas reformas, que mais aconselharia um amplo consenso nacional para que se pudesse reconstruir todo o edifício jurídico.
Do caso Casa Pia sai mal a Política também, porque muitos políticos não tiveram pejo em utilizar a justiça para o combate político. E sai mal a Imprensa que, por não estar habituada a processos desta dimensão e profundidade, não soube distanciar-se e ajudou não apenas ao combate político, que não lhe compete, como alimentou o voyeurismo em que muitas pessoas foram torrando sem grande hipótese de defesa.
Alguns julgamentos que foram feitos na praça pública, por interesses menos bem definidos ou por pura incúria, tiveram vezes demais o incentivo de uma Imprensa mais interessada em comercializar escândalos do que em ajudar a apurar a verdade. Hoje, longe de vivermos no Paraíso, estamos, porém, num estádio em que a alguma Imprensa já recusa cometer os mesmos erros e é mais crítica de si própria.
Por fim, a própria instituição Casa Pia: que bom seria que, oito anos depois, todos pudéssemos confiar que as crianças entregues ao Estado, naquela ou noutras instituições, estão seguras, certamente resguardadas dos sofrimentos que para ali as atiraram e protegidas dos males que outros, abusando da sua inocência e incapacidade de defesa, lhes incutem. Poderemos confiar?
José Leite Pereira, aqui