domingo, 4 de julho de 2010

RONALDO, QUEIROZ E MANDELA

Três imagens que ficam do Mundial de Futebol, para além da sensaborona presença portuguesa. Uma tem apenas a ver com o seu autor, outra com a equipa e a terceira é um caso exemplar.

1 - De Ronaldo esperar-se-ia bastante mais. O jogador pode queixar-se de ter sido vítima de um erro táctico do seleccionador que lhe atribuiu um papel de acordo com o seu estatuto, deambulando livremente, mas condenado ao insucesso, porque quase nunca era servido em condições que propiciassem a sua velocidade e a capacidade de passar pelos adversários. A verdade é que Ronaldo agravou a situação passeando a sua arrogância, multiplicando esgares de desconforto e culminando a cuspir para o chão, mesmo junto de um cameraman, cuja presença constante, algo que o estatuto do jogador justifica, pelos vistos o encanita, pelo menos quando está a perder. Para quem é capitão de equipa, para quem tem de dar exemplo aos muitos jovens que pelo Mundo o quererão copiar, Ronaldo mostrou como o dinheiro pode trazer felicidade mas raramente traz educação. Mourinho se encarregará, fatalmente, de o educar para o jogo, para a fama e, possivelmente, para a vida.
2 - O jogo que Portugal levou para a África do Sul mostra o país que somos, ou pelo menos o seu pior lado. Jogamos sempre com medo. Apostamos sempre na contenção defensiva, só indo à frente quase pela certa, tentando enganar o adversário. Estamos claramente fora de moda. O futebol é hoje trabalho de equipa e jogado para a frente. Para ganhar é preciso arriscar, fazer pela vida. Felizmente, os chicos-espertos, que pouco arriscam mas que com a sorte pelo seu lado conseguem ganhar, têm cada vez menos sucesso. No futebol e na vida. Com a maioria de jogadores a trabalharem em equipas que jogam para ganhar, Carlos Queiroz jogou apenas para os serviços mínimos. Não foi humilhado, mas tolheu qualquer possibilidade de aparecer um golpe de asa. Azar dele que, de futuro, terá grandes dificuldades, mantendo a maioria destes jogadores, em se impor como líder do grupo.

3 -O Gana falhou as meias-finais do Mundial no último lance do prolongamento num daqueles casos em que, sabe-se lá porquê, os deuses estão distraídos. Assim se impediu que uma equipa africana chegasse mais longe na prova. A imagem do jogador que falhou o lance dominou as transmissões televisivas e, possivelmente, naquele instante, tirando obviamente o caso dos uruguaios, todos os espectadores à volta do Mundo se sentiram um pouco ganeses. Mas ninguém foi tão longe como Nelson Mandela, que enviou uma mensagem à equipa e ao jogador que falhou o apuramento para as meias-finais, expressando o agradecimento pelo que todos fizeram, dizendo-lhes que tinham honrado o continente africano. Não consta que outro dirigente africano tenha tido idêntica preocupação. Só Mandela. Por isso lhe chamam Madiba.

José Leite Pereira in http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=1610236&opiniao=Jos%E9%20Leite%20Pereira