quarta-feira, 21 de julho de 2010

O CAGAGÉSIMO

Vai-se vivendo a vida de todos os dias e no seu ramerrame rotineiro tudo se vai encravando cada vez com mais obstáculos e dificuldades. Nem é preciso ler jornais, ouvir rádio ou ver televisão, porque eles só confirmam e amplificam aquilo que todos vamos sabendo por familiares, amigos, vizinhos e conhecidos. Há sempre mais alguém que perdeu o emprego, mais alguma família que passou a viver nas maiores dificuldades, mais alguma empresa, pequena, média ou mesmo grande, que encerrou e deixa dezenas ou centenas de pessoas sem saída profissional e sem recursos de subsistência.

Também não é preciso escutar os especialistas, nem sequer os da área económica e financeira. Aquilo que nos transmitem todos os nomes relevantes de economistas, banqueiros e empresários, portugueses ou estrangeiros, é de sinal idêntico. Mesmo antes de os ouvirmos, já sabíamos que em Portugal actualmente tudo corre pelo pior no pior dos mundos possíveis. Eles só confirmam.

Ciclicamente, lá vem o Eurostat, lá vem a OCDE, lá vem mais uma agência de rating, lá vem mais uma estatística, lá vem mais um especialista - e desatam todos a concluir, preto no branco, que estamos a correr para o abismo, tão certo como dois e dois serem quatro, e que vai ser preciso tomar medidas ainda mais severas para tentar conter essa enxurrada de desgraças. Não é de crer que o primeiro- -ministro se ponha com fitas nas suas reuniões de trabalho com o Presidente da República. Mas todos os dias, desde há meses e meses a esta parte, este Governo, tal como o anterior, encontra maneira de garantir cá para fora que tudo corre bem, ou que tudo vai melhorando significativamente. O barco vai ao fundo, enquanto o primeiro-ministro macaqueia uma viragem à esquerda e a tripulação bate palmas ou assobia para o lado.

Por isso não há qualquer razão para se ser pessimista. Quando se atrevem a falar dessas minudências, os abjectos críticos que erguem a voz são alvo de chufas e vociferações por parte de umas criaturas que espumam mui justificadamente de raiva só por haver quem ouse dizer que Portugal se transformou num beco sem saída graças aos governos do PS. A nova maré de esperança é agora confirmada, desta vez pelo próprio Banco de Portugal no seu boletim económico de Verão. Vê--se do suplemento de economia do Expresso de sábado passado, que traduz em miúdos alguns dos indicadores e previsões ali referidos.

Resumindo muito, o panorama é verdadeiramente radioso. Já o Doutor Salazar dizia que o povo tem de ser pobre para ser humilde e é esse o cenário a que previdentemente nos conduziu o Governo PS numa sensacional ultrapassagem por excesso do mesquinho ditador: para melhor se poder comemorar a República de 1910, a autêntica, haverá mais desemprego, menos crescimento, menos consumo, menos exportações, menos crédito bancário, mais penúria, mais impostos, mais apertos de cinto…

Esta visão paradisíaca leva alguns membros do Governo a dizerem muito depressa uma coisa e também o seu contrário no mais curto espaço de tempo. É que, na realidade, tanto faz. Sabem que com eles o País não vai a lado nenhum e que, não indo a lado nenhum, mais vale continuarem na irresponsabilidade faceta que voltou a dar a vitória ao PS em Setembro do ano passado, pois continuam a apostar nas euforias do analfabetismo político e sobretudo no pânico das almas com a eventual perda dos subsídios. Continuam a esperar que Portugal desista de ser um país para se transformar num mero espaço de telenovela de terceira ordem, em que possam servir a ficção mais rasca a tapar a realidade mais evidente.

É frequente vermos o primeiro--ministro regozijar-se porque os números de um dado mês deste ano oscilaram de um cagagésimo em relação a igual período do ano passado.É então que o Governo faz peito e afirma o cagagésimo com toda a convicção, no Parlamento, nas entrevistas, nas visitas, nas intervenções aqui e ali. Com esta gente, institucionalizou-se uma propriedade comutativa entre o histrionismo político e a falta de seriedade. Portugal continua a viver sem as políticas urgentes de que precisa e com um Governo que não vale sequer uma ínfima parcela de qualquer dos cagagésimos que tanto se compraz em anunciar.

Vasco Graça Moura in http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1622863&seccao=Vasco Gra%E7a Moura&tag=Opini%E3o - Em Foco