domingo, 18 de julho de 2010

ESCOLA PROFISSIONAL DA BAIRRADA : UMA MODESTÍSSIMA OPINIÃO

Sem que se perceba muito bem porquê, a verdade é que o desenvolvimento do respectivo processo da criação e implementação no terreno da Escola Profissional da Bairrada tem concitado um mar de dúvidas sem que haja qualquer tomada de posição que aplaque essa situação.

A constituição da Fundação
Em 24 de Junho de 2009 foi constituída a Fundação Comendador Almeida Roque; importa esclarecer que esta, como qualquer outra fundação, se caracteriza por ser um centro autónomo de relações jurídicas, de direito privado e de base patrimonial, cujo fim foi afectado a um propósito colectivo de natureza social.

Os fins da Fundação
De acordo com o art. 3º dos respectivos estatutos (os quais podem ser consultados aqui), a Fundação Comendador Almeida Roque «tem por fim promover, patrocinar e desenvolver actividades no âmbito da educação e formação, bem como de inserção dos cidadãos na vida activa e a promoção do desenvolvimento cultural, social e económico do concelho de Oliveira do Bairro e da região da Bairrada, nomeadamente através da concepção, construção e gestão da Escola Profissional da Bairrada como seu principal objectivo»

O reconhecimento da Fundação
Decorre da lei (art. 158º, nº 2 do Código Civil) que «as fundações adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa»; dito de outro modo, este acto de reconhecimento é essencial, porquanto dele depende a existência jurídica das fundações.

Em que se traduz o reconhecimento das fundações
O reconhecimento das fundações é um elemento formal ou de direito, que se consubstancia num acto administrativo constitutivo de direitos, de natureza individual e discricionário e que se traduz na consideração efectuada pela ordem jurídica relativamente ao substrato da fundação em termos de a erigir num sujeito de direito dotado de personalidade jurídica; com este reconhecimento, o Estado visa avaliar se as fundações prosseguem ou não finalidades de interesse social, e bem assim se os bens afectados são ou não suficientes para a prossecução do fim visado.

Documentação para o reconhecimento das fundações
As regras a observar no procedimento administrativo de reconhecimento das fundações, encontram-se definidas na Portaria nº 69/2008 de 23 de Janeiro; consigna o artigo 3º, nº 1 deste diploma que o pedido de reconhecimento das Fundações é instruído com os seguintes elementos:
a) Cópia da escritura pública de instituição da fundação;
b) Cópia do testamento, no caso de a fundação ter sido instituída por esta forma;
c) Memorando descritivo das áreas de actuação da fundação;
d) Indicação da dotação patrimonial inicial afecta à fundação;
e) Relação detalhada dos bens afectos à fundação;
f) Avaliação do património mobiliário e imobiliário, quando exista, por perito idóneo;
g) Declaração bancária comprovativa do montante pecuniário inicial afecto à fundação;
h) Indicação da norma habilitante de instituição da fundação quando um dos instituidores seja uma pessoa colectiva de direito público.

O ponto da situação da Fundação
Na reunião da câmara municipal de Oliveira do Bairro realizada em 27 de Maio e 2010, foi apresentada pelo presidente da câmara municipal uma proposta que refere expressamente que “a Presidência do Conselho de Ministros enquadrou os fins da Fundação no âmbito do Dec. Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro”, diploma este que regula os estatutos das IPSS’s, cuja tutela impende sobre o Ministério da Segurança Social.

As dúvidas
Sempre que a questão da Escola Profissional da Bairrada é abordada, tem ficado absolutamente claro que o objectivo em vista é a criação de um pólo educativo e de formação. Paradigmática foi a presença de Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, na sessão solene da outorga da escritura constitutiva da Fundação, a quem o presidente da câmara municipal de Oliveira do Bairro dirigiu as seguintes palavras: “Acredito que a sua presença assegura um interessado e activo empenho do Ministério da Educação neste projecto que é extraordinário. Contamos com o apoio do ministério que representa para erguer esta escola e pô-la ao serviço de todos”. Por sua vez, o então presidente da assembleia municipal salientou o facto de o executivo ter a educação como prioridade. A presença deste membro do governo foi mesmo publicada no site do Ministério da Educação. Apesar desta preocupada intenção de incluir a Escola Profissional da Bairrada na rede de ensino concelhio, o que consta da proposta apresentada pelo presidente da câmara na reunião de 27 de Maio de 2010 é que os fins da Fundação não foram enquadrados no âmbito dos estabelecimentos de ensino tutelados pelo Ministério da Educação, mas sim no âmbito das IPSS’s tuteladas pelo Ministério da Segurança Social.

A administração da Fundação
De acordo com o nº 1 e nº 2, al. c) do art. 10º dos respectivos estatutos (os quais podem ser consultados aqui), o conselho de administração da Fundação é constituído por um presidente, um vice-presidente e um vogal, sendo que o vice-presidente é sempre o presidente da câmara municipal de Oliveira do Bairro; o art. 11º, nº 1 dos referidos estatutos consagra que compete ao conselho de administração praticar todos os actos necessários à prossecução dos fins da Fundação, dispondo dos mais amplos poderes de gestão.

Inevitabilidade de alteração estatutária?
Tendo a Presidência do Conselho de Ministros enquadrado os fins da Fundação no âmbito das IPSS’s, poderá a alteração dos estatutos da Fundação ser inevitável, uma vez que é a própria lei a obstar que a autarquia integre o respectivo conselho de administração? É que, a actual redacção dos estatutos da Fundação Comendador Almeida Roque parece não cumprir uma das especificidades deste tipo de instituições, a qual impõe que a respectiva administração não seja exercida nem pelo Estado nem pela autarquia local, como estatui o art. 1º, nº 1 do Dec. Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro como pode ler-se aqui.

Uma modestíssima opinião
A ser inevitável a alteração dos respectivos estatutos, bem poderia a Fundação Almeida Roque optar, não pela sua adaptação à legislação que regula as IPSS’s, mas sim pela sua adaptação à legislação que estabelece o regime de criação, organização e funcionamento de escolas e cursos profissionais no âmbito do ensino não superior, tuteladas científica, pedagógica e funcionalmente do Ministério da Educação [Dec. Lei nº 4/98 de 8 de Janeiro que pode ser lido aqui, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Dec. Lei nº 74/2004 de 26 de Março (alterado pelo Dec. Lei nº 4/2008 de 7 de Janeiro que pode ser lido aqui ), e pelo Dec. Lei nº 54/2006 de 15 de Março que pode ser lido aqui ]; é o que, a título de exemplo, acontece com os estatutos das Escolas Profissionais de Setúbal, Oliveira do Hospital, Aguieira ou Aveiro, de cujos textos estatutários consta a expressa referência ao Dec. Lei nº 4/98 de 8 de Janeiro e subsequentes alterações.

Conclusão
Para concluir este processo, têm a palavra os instituidores da Fundação; importa no entanto dizer que a criação e implementação da Escola Profissional da Bairrada é um daqueles assuntos em que todos (poder, oposição e munícipes) têm que estar unidos, não devendo o respectivo mérito ser centrado em mais ninguém para além do Comendador António Soares de Almeida Roque.