sábado, 17 de julho de 2010

CÁBULA PARA O BOM GOVERNO DE QUEM GOVERNA

Para que não se diga, o que é inteiramente injusto, que este espaço virtual apenas alberga a crítica, deixo um pequeno excerto de um intemporal texto* do Padre António Vieira, que pode ser aproveitado em favor de quem governa, seja ao nível central seja ao nível local.

«Se é necessário para a conservação da Pátria, tire-se a carne, tire-se o sangue, tirem-se os ossos, que assim é razão que seja; mas tire-se com tal modo, com tal indústria, com tal suavidade, que os homens não o sintam, nem quase o vejam. Deus tirou a costa a Adão, mas ele não o viu nem o sentiu; e se o soube, foi por revelação. Assim aconteceu aos bem governados vassalos do imperador Teodorico, dos quais por grande glória sua dizia ele: “Eu sei que há tributos, porque vejo as minhas rendas acrescentadas; vós não sabeis se os há, porque não sentis as vossas diminuídas.” (…) O maior jugo de um reino, a mais pesada carga de uma república são os imoderados tributos. Se queremos que sejam leves, se queremos que sejam suaves, repartam-se por todos. Não há tributo mais pesado que o da morte, e contudo todos o pagam, e ninguém se queixa, porque é tributo de todos. Se uns homens morreram e outros não, quem levara em paciência esta rigorosa pensão da imortalidade? Mas a mesma razão que a estende, a facilita; e porque não há privilegiados, não há queixosos. Imitem as resoluções políticas o governo natural do Criador: “O qual faz nascer o seu sol sobre bons e maus, e vir chuva sobre justos e injustos.” (Mt. 5, 45) Se amanhece o sol a todos aquenta; e se chove o céu a todos molha. Se toda a luz caíra a uma parte e toda a tempestade a outra, quem o sofrera?»

* VIEIRA, António, S. J., Do Sermão de Santo António (1642), in «Textos Escolhidos do Padre António Vieira», Ed. Verbo, Colecção livros RTP, Lisboa, 1971, págs. 34–35.