terça-feira, 29 de junho de 2010

NÚMEROS E SERES HUMANOS

Ao fazer "zappping" na TV, caí no meio de um daqueles programas da tarde destinados a donas de casa e reformados. Trata-se de um programa em que aparecem pessoas a falar disto ou daquilo - e nesse dia o tema era "Ofereço trabalho e ninguém lhe pega!"
E um marciano que ali desembarcasse perguntar-se-ia que maravilhoso país era aquele de que se falava. Porque, enquanto a empreendedora Espanha anda pelos 20% de desempregados e a progressiva Suécia se aproxima, aí, dos dois dígitos, falava-se de um país que aparentemente tem mais empregos para oferecer do que gente que queira aceitá-los. Um empreiteiro apresentava uma lista de uma dúzia de ocupações que não conseguia preencher e o dono de um restaurante falava da sua frustração por ninguém querer ajudá-lo.
Vejamos as estatísticas. Há tempos, foi noticiado que, tendo nós 560 mil inscritos nos centros de emprego, estes haviam recebido 125 mil ofertas, mas só preenchido metade das vagas. Segundo as estatísticas, haveria então mais de 60 mil malandros que não queriam trabalhar.
O problema das estatísticas é que são frias, se baseiam em números, e por vezes desembocam em cenários que enganam. Sucede porém que estamos acima de tudo a falar de seres humanos e não de números, de gente que tem habilitações a mais, ou capacidades a menos, que tem expectativas, sonhos até. Ora não pode querer-se que uma ex-operária têxtil seja capaz de manobrar uma retroescavadora e não é razoável esperar que um licenciado termine numa cozinha, a descascar batatas. Não é decente oferecer 400 euros a um experiente contabilista ou 500 euros a um arquitecto com obra feita.
O desemprego é talvez o maior drama com que se defronta o país. Não pode, nem deve, ser tratado com ligeireza, com frialdade estatística. Se não, o que aparece não é um retrato, é uma caricatura!

Sérgio Andrade in http://jn.sapo.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=1605731&opiniao=S%E9rgio%20de%20Andrade