sexta-feira, 13 de junho de 2014

SUGESTÃO DE LEITURA - PORQUE O FIM DE SEMANA ESTÁ AÍ

Estirado na cama de um hospital, aguardando impacientemente a chegada da morte, um velho faz contas à vida

O corpo, um trapo feito de gente, não o deixa antever, mas a mente do homem é um torvelinho de emoções, acontecimentos e memórias que, no seu conjunto, transformam o pouco que resta da sua vida num exercício mais real do que a existência de muitos seres.

“(...) A vida passa-lhe em bobine, de frente para trás, muito salteada”, começa por narrar Manuel Andrade, num estilo envolvente e sem freio que mantém até às derradeiras páginas, convidando o leitor a embarcar neste “mergulho às vísceras do ser humano”, como escreveu Urbano Tavares Rodrigues na nota introdutória.

Se na história da literatura são incontáveis as propostas ficcionais que partem de idênticos pressupostos – o homem que reflete sobre o sentido da existência quando se encontra precisamente numa fase terminal da mesma –, menos frequente será a segurança que o autor exibe no primeiro romance que publica em nome próprio (escreveu anteriormente três livros sob o pseudónimo de Manuel de Varziela).

E se a escrita sôfrega, não raras vezes torrencial, pode, em muitos casos, significar mero atropelo de ideias, tal a vontade de enlear o leitor na história, há em Três bichos te esperam, quatro te comerão abundantes exemplos do contrário: o autor, um dos mentores do festival literário Escritaria, em Penafiel, sabe perfeitamente o rumo que pretende incutir à narrativa, conseguindo, mesmo ao fim de sucessivas páginas de profundo arrebatamento, retomar o curso exato da história a contar.

Valendo-se da própria experiência como psicólogo clínico que lida com pacientes em estado terminal, Manuel Andrade esmiúça com precisão cirúrgica a matéria de que somos feitos. Interessam-lhe menos as convenções, o socialmente aceite, do que as misérias e contradições humanas, por mais cruas que possam ser. É nesse “lirismo doloroso” a que se refere Urbano que reside a grandeza de um romance que merece ser descoberto por muitos.
(Sérgio Almeida)