terça-feira, 17 de abril de 2012

ERA UMA VEZ...

O LOBO E O MOCHO
Era uma vez um lobo que andava à caça. Ele andar, andava, mas a caça, fosse coelho, javardo, texugo ou perdiz, é que não andava por ali, à mão de ser caçada.

Já o lobo se impacientava, quando ouviu o piar de um mocho. Estava no ninho, empoleirado num pinheiro novo.

O lobo pôs-se a sacudir, furiosamente, o tronco do pinheirito, mas só lhe caíram duas pinhas na cabeça.

Lá do alto, o mocho gritou-lhe:
- Ó compadre, não abane tanto o pinheiro, senão os meus filhos, que estão no ninho, acordam.
- Quero lá saber! - respondeu o lobo.

E continuou a sacudir o pinheiro.
Voltou o mocho:
- Ó compadre, por favor, vá abanar outro pinheiro e deixe este em paz. É que os meus filhos, com tanto abanão, ainda caem do ninho.
- Quero lá saber!

Por acaso até queria... Não queria ele outra coisa... E vá de sacudir mais o tronco do pinheiro.
O mocho, de asas a tremer, repontou:
- Se o compadre continua a abanar o pinheiro, eu afino.
- Então afina - disse o lobo, a rir-se.
- E vou aí abaixo e dou-lhe uma desanda - ameaçou o mocho, a ganhar coragem.
- Então vem, que eu também quero dizer-te umas coisas.

O mocho saltou para um ramo, ainda a alguma distância do lobo.
- Chega-te mais perto, que o que eu tenho para dizer-te os teus filhos não podem ouvir.
O mocho deu um saltinho para um ramo mais abaixo.
- Ainda mais perto - disse-lhe o lobo.
- Mais perto não, que os meus filhos podem acordar e, não me vendo no ninho, assustam-se.
- Então volto a abanar o pinheiro.
- Isso é que não - e o mocho desceu mais.

Quando o lobo o viu perto, abocanhou-o logo.
- Ai compadre, que me magoa - queixou-se o mocho. - Se vai comer-me, deixe-me, ao menos, despedir-me dos meus filhos, que ficam sem ninguém que tome conta deles.

O lobo, com o mocho preso na dentuça, meneou a cabeça, negativamente.
- Ao menos diga, para que eles oiçam: ?mocho comi" - pediu o mocho.

O lobo, para não abrir a boca, disse, muito baixinho:
- Mocho comi.
- Ó compadre, fale mais alto, senão eles, coitadinhos, não ouvem.
- Mocho comi - disse o lobo, de dentes filados na presa.
- Nem se percebe - insistiu o mocho .- Fale mais alto.

O lobo desabotoou a boca, num grande berro:
- Mocho comi.

Liberto dos dentes, safou-se o mocho, a voar para o cimo do pinheiro, enquanto dizia:
- Mocho comi? Outro que não a mim.

Pegou nos filhos um por um e foi pô-los a salvo, no alto de um pinheiro de maior porte.

O lobo, de raiva, rilhou o tronco do pinheirinho e ficou com a boca a saber a resina.
António Torrado e Cristina Malaquias, retirada daqui