sábado, 11 de junho de 2011

A VITÓRIA HISTÓRICA DE PASSOS COELHO

Vale a pena repetir a evidência: em 200 anos de poder constitucional, o eleitorado português nunca tinha derrubado o primeiro-ministro entrincheirado no poder (a comédia Santana não conta).

No domingo passado, isso aconteceu pela primeira vez. Passos foi o primeiro a conseguir derrubar nas urnas o poder do statu quo.

Na Monarquia Constitucional, quem estava no poder ganhava sempre as eleições. Sempre. Na I República e no Estado Novo, as eleições não eram bem eleições.

E, nesta III República, nós nunca tivemos a oportunidade para derrubar eleitoralmente o primeiro-ministro: Cavaco saiu antes de ser derrubado, Guterres fugiu, Barroso pulou a cerca, porque quis ser o imperador burocrático. Sócrates foi o primeiro a cair nas urnas. No domingo, o país fez história. Eis um facto que merecia mais atenção.

Depois, esta vitória é histórica, porque Passos rasgou, por completo, os manuais do comentário político português. Nesses manuais, podíamos ler coisas como "o líder da oposição não deve dizer nada", "o líder da oposição não deve dizer aquilo que vai fazer quando chegar ao poder", "o líder da oposição não deve anunciar medidas e reformas duras". Passos, com aquele calma que pode confundida com fraqueza, nunca actuou desta forma. E, desde o início, disse ao que vinha.

Foi assim desde a proposta de revisão constitucional até aos últimos dias da campanha. Num só dia de campanha, Passos disse - entre outras coisas - o seguinte: Portugal tem de reduzir o número de feriados, os utilizadores têm mesmo de pagar as SCUT, e a lei do aborto é para rever. Passos disse estas coisas, e ganhou. Passos ganhou depois de apresentar um programa claro, duro e de reformas. Ou seja, a extrema-esquerda não tem razão: o programa do PSD foi discutido. Aliás, foi a única coisa discutida nesta campanha (debate Sócrates/Passos; a polémica em redor da TSU; os co-pagamentos na saúde, etc., etc.). As pessoas não votaram enganadas.

É por isso que não concordo com o editorial do Público de segunda, que diz assim: "apesar de uma vitória confortável que lhe dá uma margem acrescida para negociar com Paulo Portas, Passos Coelho sabe que ainda não conquistou a confiança dos portugueses". Lamento, mas isto não faz muito sentido. Passos fez tudo para merecer a confiança dos portugueses: antes das eleições (antes), Passos disse aquilo que ia fazer. Não há melhor maneira de ganhar a confiança dos eleitores. Aliás, esta é a única maneira de ganhar a confiança dos eleitores. Sucede que o jornalismo político ainda não compreendeu bem aquilo que aconteceu. Durante mais de um ano, este jornalismo político andou entretido com os tiros no pé de Passos, não percebendo que esses tiros no pé representavam outra forma de fazer política. Um exemplo: no dia a seguir a Sócrates anunciar o pedido de ajuda, o Correio da Manhã fazia capa com o seguinte: "Passos considera aumentar o IVA". Ui, ui, caiu o Carmo e a Trindade e a conversa do tiro no pé rebentou em força. Pois, mas esse tiro no pé é - hoje - um enorme capital político. Mais: sempre que Passos falava em mudanças na lei laboral (muito antes do advento da troika) , alguém surgia logo a dizer que isso era um tiro no pé. Não, não era um tiro no pé. Era uma forma de ter capital político a sério. Um governante só tem força política se anunciar antes das eleições aquilo que vai fazer.

Uma coisa é estar no Governo, outra coisa é estar no Poder. Passos vai estar no Poder.

Henrique Raposo, aqui