domingo, 1 de maio de 2011

QUERIDO DIÁRIO - V

Há homens que são muito dados a cozinhados.

Já sei que estão a pensar que me estou a referir àquilo que parece que se está a passar na câmara municipal, com as histórias que por aí se falam, mas estão todos muito enganadinhos.



Tenho pena que assim seja, porque acho que todos os homens deviam ser dados a enfiar a uma boa colher de pau num tacho de especiarias. E que pena que eu tenho que o meu homem não seja mais dedicado à cozinha: estou fartinha de lhe dizer que não me importava nada de lhe proporcionar uma educação básica, mas ele não me liga nenhuma.

A minha referência é mesmo sobre cozinhados propriamente ditos e sobre a habilidade de alguns homens para estas lides. Sim, de alguns, porque outros, a quase maioria, se tiver à frente uma cenoura, já não sabe como ajeitá-la, se cozida ou frisada, para uns uns pezinhos de coentrada: gostam muito de ter tudo à disposição, em cima da mesa, mas fogem da cozinha como o diabo foge da cruz!

Como me têem dito que há muitos homens que se deleitam, só de me lerem, resolvi avançar por este meio para dar-lhes a conhecer os principiozinhos sobre os quais assenta a construção de uma verdadeira cozinha que possa satisfazer qualquer exigente paladar!

Desde logo, é importante que saibam que nada se assemelha mais à cozinha do que sexo! E comecçando pelos aperitifs, falarei, por exemplo, de amendoins: casca grossa que descascada após muita abenegação revela uma camada mais fina que se desfaz ao toque, exibindo um fruto que, quando devidamente pressionado, se divide em dois; se o quisermos comer no seu melhor, temos que o torrar no calor. E no fim, fica aquele sabor ensonso que nos leva a desejar uns líquidos. Fresquinhos, se possível, para se retomar com os próximos amendoins!!!

O pior defeito de um cozinheiro é a pressa. Nada de pressas. O lume acende-se devagar e a cozedura deve ser lenta. A colher de pau é um instrumento bastante sólido que, mal usado, pode causar dano nos ingredientes. Uma colher de pau serve para mexer lenta, mas não constantemente.

Mexe, deixa apurar um pouco (não faz mal que a colher fique pousada dentro do tacho!), mexe, pára. Vai-se provando de sal. Passa-se o dedo pela borda do tacho, uma e outra vez. As papilas gustativas não enganam, e a prova é obrigatória.

Outro defeito que o cozinheiro deve evitar, consiste na avaliação da qualidade de qualquer tubérculo segundo o tamanho. A cenoura mais pequena e tenra, desde já vos digo, é bastas vezes a mais deliciosa. Opto sempre pelas mais tenras e fresquinhas. As maiores são duras e de difícil cozedura.

Não importa o aspecto, mas o petisco que se pode fazer com elas. Tal como o tomate e a batata: os sabores encontram-se mais concentrados, e o tamanho permite inúmeras e variadas utilizações. Já encontrei à venda cenouras maiores que os tachos: rejeitei-as liminarmente. Mesmo cortadas, são verdadeiros bacamartes de difícil culinária.

Se o legume ou o tubérculo excede o tacho, não coze decentemente e só atrapalha. E, como se sabe, em tachos muito atafulhados, fica a comida meia encruada. Portanto, não recear o menor tamanho dos hortícolas. Usá-los muito e usá-los bem, sempre lavados e fresquinhos.

Terminando nas sobremesas, e começando pelos doces, podia estar aqui a falar de barrigas de freira, papos de santa, leite-creme, brulle-pour-moi, tortas-que-te-endireito, delicias-de-passa-a-mão-sem-medo, Don Contigo, ou mesmo os célebres Bis-Coitos no Convento.

Ficará para uma próxima oportunidade. Falarei então da marmelada, da pessegada, e outros doces que tais, mas que não se iludam: mulher que é doceira não se nega à saladeira! Passando à fruta, falarei de apenas uma: quem diria que os japoneses, aqueles malandrecos, inventaram um doce que é uma mama de mulher?

E como não falo japonês, digo que daifuku só pode ser mesmo isso, tá mesmo na ponta da língua, é fonético e tudo! Dai-fu-Kuuu e a gente dá, ó pois se dá! A experiência é assim, convém que estejam física e mentalmente preparados para a coisa claro, e pega-se no daifuku com jeitinho, dá-se umas lambidelas para lhe tomar o gosto doooceeee, muito dooocceee, e depois dá-se umas mordidinhas assim bem lânguidamente para deixar o seu interior adocicado escorrer para dentro da nossa boca.

Dizem que é uma experiência muito sensual e que nos desperta os sentidos todos; e então se imaginarem que o daifuku é mesmo… uma mama de mulher… pois… isso assim…

Experimentai que pelo menos o sabor é bom, a consistência muito perto do que se espera e o resto se estiverem sintonizados no Império dos Sentidos (não é o restaurante, é mesmo o filme!), talvez consigam atingir a tal experiência sensual extrema; convém poderem depois discretamente retirar-se para um local mais recatado para prosseguirem com as hostilidades, e quanto aos belos dos daifukus, não se esqueçam que devem comer-se aos pares pois, assim como as mamas das mulheres…

Não hesitem em colocar-me qualquer dúvida que estes primeiros conselhos de cozinha vos possam suscitar.

Estão a ver, seus marotos, que eu só queria referir-me mesmo só a cozinhados, e não àquilo que parece que se está a passar na câmara municipal, com as histórias que por aí se falam?

Alma de Deus

(Em reposição: anteriormente publicado no extinto http://blog.oliveiradobairro.net/)