quinta-feira, 3 de outubro de 2013

ENGANARAM O CAMÕES


Fazer negócios em Portugal virou modalidade olímpica: além de raro, exige aos protagonistas elevados dotes atléticos para superar os obstáculos: sócios que se detestam, processam, difamam - não se juntam nem em tempo de crise

Reguladores que esperam que a água passe devagar pela clepsidra para tomar alguma decisão, até decisão nenhuma. Dinheiro também não há, o mercado foge, mingua, o medo e a mesquinhez prevalecem. Não era este o texto que eu gostaria de escrever: a crónica do fracasso anunciado. Há muita sordidez nisto tudo.

Ontem, a Portugal Telecom deixou de existir tal como a conhecíamos. Já aconteceu a outras empresas. A Cimpor, antigo gigante mundial do cimento, é um resto do que era e já não tem mão nacional. A EDP é cada vez mais chinesa. A REN omanita e chinesa. Os CTT devem tornar-se brasileiros. 

A TAP anda à procura de noivo e não será português, apesar de o turismo ser das poucas atividades locais que ainda rendem. A Soares da Costa também é angolana. O acionista de referência do BCP é angolano, no BPI é espanhol e angolano. A Zon-Optimus idem, como a Galp, embora Azevedo e Amorim façam as honras da casa. Tudo empresas de primeira linha, tenores da atividade económica.

E depois há Zeinal Bava. Em apenas quatro meses, o tempo contado a partir do momento em que se tornou CEO da Oi, fechou a fusão com a PT. Zeinal é dos que fazem, fazem depressa, por isso tem agora o privilégio de gerir uma companhia com cem milhões de clientes. A PT, como estava, não resistiria à sua nano escala. As telecomunicações são um negócio planetário, mercado de escala, investimento intensivo, inovação, concorrência, planeamento exaustivo. A Vodafone é um bom exemplo: não comprou a Zon, perdeu o comboio, pagará caro o desleixo.

A PT como a conhecíamos acabou - ainda bem. Quer dizer, se os donos locais não conseguiram fazer dela o que está à vista de todos - navegar num mercado de 260 milhões de pessoas que falam, escrevem e consomem em português -, então o melhor é este casamento atlântico com a Oi, mesmo ficando em minoria, mesmo perdendo o centro de decisão para o Rio de Janeiro. De que servem os centros de decisão nacional se promovem desperdício, nomeações partidárias e mediocridade? Fomos enganados durante anos: negócios em-brulhados na bandeira das quinas que na prática foram traições à pátria. Vão enganar o Camões.

A minha pátria é a minha língua, escreveu Pessoa, cantou Caetano. Não é a lusofonia, ideia com fronteiras e dono. Os ingleses chamam-lhe Commonwealth - riqueza comum -, a esta comunidade. É um olhar mais inclusivo. Este mês de outubro faz um ano que a revista Monocle deu capa à nossa língua. "Porque o Português é a nova linguagem do poder e do comércio." É isso que a fusão PT-Oi tem, pode ter, de generoso. É um negócio, falado em português, aberto ao mundo. O importante não é ter a empresa e o dinheiro - é o que se faz com ela, com ele, com tamanha riqueza

André Macedo, aqui